terça-feira, 31 de agosto de 2021

A AMEAÇA DE GOLPE NO SETE DE SETEMBRO E ALÉM * Jean Marc von der Weid

 A AMEAÇA DE GOLPE NO SETE DE SETEMBRO E ALÉM

Jean Marc von der Weid

(ex-presidente da UNE 69/71, agroecólogo)

(Para reflexão dos camaradas do PCTB)

Não acredito no golpe agora, mas acredito que estamos, possivelmente, em um ensaio geral. Desde meados de 2019 que venho escrevendo sobre a ameaça de golpe por Bolsonaro. No início fui tratado como um alarmista inveterado, fora da realidade. O tempo se encarregou de mostrar que eu tinha razões de sobra para estar apreensivo. 


Que fez Bolsonaro desde que chegou à presidência? Ele não se preocupou muito com a sua popularidade medida em pesquisas de opinião. Governou para uma fração dos que votaram nele, propondo, e muitas vezes aprovando, leis e decretos que a beneficiaram. Policiais, militares das forças armadas, grileiros, madeireiros, garimpeiros, caminhoneiros, grandes fazendeiros, milicianos, todos foram contemplados por intenções, gestos e discursos. Não por acaso, esta minoria é a mais belicosa e, infelizmente, a que tem armas para intervir na política. 


Descobri que a lógica de Bolsonaro é maoísta: “o poder está na ponta do fuzil”. A medida em que Bolsonaro se afastava de uma boa parte do seu eleitorado, ele foi radicalizando e fidelizando esta base de forma consistente. Os que achavam que ele era um paradigma de honestidade, o supremo lutador contra a corrupção foram perdendo a fé com as múltiplas denúncias que vão mostrando as entranhas da famiglia. Mas não importa ao candidato a déspota esta perda de apoio. Ele está armando os seus seguidores e eles estão se organizando nos clubes de tiro. Os que acreditavam no seu liberalismo econômico logo se deram conta de que o famoso posto Ipiranga não era mais do que uma marionete de circo mambembe apenas distraindo os desavisados. Os que acreditavam no anti-política velha, no anti-sistema, viram o mito se dobrar ao tão condenado Centrão e também se decepcionaram. Não importa, enquanto ele ganha espaço no seu bloco radical e o insufla, sua aposta fica de pé.


Bolsonaro aposta na ruptura da democracia e vem consistentemente desagregando as instituições da república. O país está entregue a um total desgoverno, com a pandemia descontrolada (apesar das aparências recentes), a fome em expansão atingindo quase metade da população entre os que comem pouco e os que comem mal, o desemprego, subemprego e o desalento atingindo a metade da força de trabalho, o meio ambiente literalmente em chamas, a educação em pleno desastre de total abandono, a ciência com financiamentos em queda livre, a economia prometendo inflação crescente (já estamos em 7% a/a) e o PIB com um crescimento ridículo de 1,5% (e caindo a cada avaliação) para o ano que vem. A lista é grande e será sempre incompleta porque o desgoverno atinge todos os setores da economia, da sociedade, da cultura, da ciência, da saúde e da educação, e um grande etcetera. Nada disso importa para Bolsonaro, se os garimpeiros, madeireiros, fazendeiros, policiais, soldados, milicianos, etc. estão satisfeitos e querendo mais. 


O que importa para Bolsonaro não é aprovar leis, mas dizer para os seus fiéis que não o deixam governar. Não importa que morram 600 mil ou muitos mais pela covid, mas a narrativa de que a culpa é do STF que não o deixou espalhar o tratamento precoce, a cloroquina e a ivermectina. A culpa é dos governadores que arruinaram a economia com lockdowns e aperrearam as pessoas de bem com o uso de máscaras e a proibição de frequentar estádios e raves. 

Bolsonaro reza todos os dias, ao acordar e ao dormir, por uma crise social maiúscula, seja por causa da covid ou por causa da fome. Ele torce pelo desespero da população que leve a revoltas, quebra-quebras, saques. Tudo o que precisa é um estado de convulsão social para impor medidas de exceção, “pelo bem da paz pública” ou “pela defesa da propriedade”.


Quem acha que Bolsonaro não consegue o seu intento porque pode ser barrado (alguns acham que está sendo barrado) pelo STF ou pelo Congresso, não vê que ele não pretende seguir as regras. Se pedir um voto do congresso pelo Estado de Sítio e ele não aprovar, ele terá mais um argumento para fechar o congresso. Muita gente acha que o congresso não vai dar estes poderes a Bolsonaro porque até os marginais do Centrão se dão conta de que serão irrelevantes se o mito tiver plenos poderes. Mas a questão não é essa. A questão será, sempre, se os que estão armados estarão dispostos a virar a mesa em seu apoio.


BANCADA DA BALA


Tenho ouvido argumentos sensatos dizendo que o golpe de 64 aconteceu porque Jango tinha contra si a igreja, a mídia, o empresariado, a classe média e as forças armadas (as polícias não contavam tanto naquela época). E agora Bolsonaro tem tudo isso contra ele, menos (e é um menos importantíssimo) as forças armadas. Diziam que os generais comandantes o conteriam, mas ele os dispersou com um sopro e colocou senão fiéis radicais, pelo menos fortes simpatizantes no lugar deles. Agora dizem que os generais de nível intermédio são pela democracia. Não é evidente que seja assim. Creio mais que este escalão teme processos radicalizados que possam perturbar o seu dolce far niente. Mas eles já viram o muito que tem a ganhar com o energúmeno e, não esqueçamos, o revival da ideologia dos tempos da ditadura está a mil por hora. A oficialidade média, segundo vários analistas, é bolsonarista. Mas mesmo neste público essencial, Bolsonaro joga na destruição das instituições. Ao politizar a oficialidade e subverter a hierarquia Bolsonaro aposta em emparedar os reticentes nos níveis mais altos com a ameaça de que não serão obedecidos se se opuserem a ele. Creio mesmo que ele prefere desmontar o aparato de comando das forças armadas para criar uma estrutura dependente dele. Hitler não fez diferente na sua tomada do poder.


Mas concretamente, tudo isto pode acontecer no 7 de setembro? É improvável. O ensaio de provocação de uma greve geral de caminhoneiros deu xabú. Se fosse para valer teríamos os ingredientes que Bolsonaro procura. Desabastecimento, suspensão da vacinação, agravamento da pandemia, hospitais desequipados, fome, revolta, saques, tumultos. Tudo isto com uma polícia que parece pronta para ou cruzar os braços e deixar rolar ou reprimir violentamente e agravar a crise. O interessante do fiasco bem provável da greve é a clara caracterização do ambiente que Bolsonaro procura.


Não vai haver a greve, mas Bolsonaro está apostando em mobilizações maciças e radicalizadas para invadir o STF e o congresso. Não é alarmismo, é o que está sendo conclamado pela web afora. Se vão conseguir é outra coisa. A pergunta é o quanto de bolsominions será necessário para uma invasão destes prédios símbolo? Já está claro que a convocação é para que portem armas (para defesa, é claro), mas quem vai impedir que alguns milhares de bolsominions (com uns 200 armados) invadam o STF e o Congresso? A polícia do Ibaneis? Os pouco e mal armados guardas postados nestes locais? Este é o primeiro risco, mas apenas a tomada dos prédios não gera o ímpeto que Bolsonaro necessita. Se a ocupação se prolongar coloca-se o impasse: se não vai ser a polícia a desalojá-los, terá que ser o exército, ou os fuzileiros navais ou os paraquedistas. É aí que veremos quem comanda quem: se os generais seguem Bolsonaro, se os coronéis seguem os generais, etc.


A outra possibilidade é uma provocação sangrenta através de um ataque às manifestações do Grito dos Excluídos ou da frente ForaBolsonaro, se ela não se somar à primeira. Um ataque armado com fuzilaria, mortos e feridos, pânico e terror é muito fácil de organizar. Neste caso a polícia, se tudo bem combinado, pode entrar em cena para engrossar o caldo e ampliar a catástrofe. Qual seria o day after de um episódio como esse? Bolsonaro pediria o Estado de Sítio? Ou aproveitaria a debacle para apelar para as FFAA, fechando o congresso e o STF? Tudo é possível, inclusive que nada aconteça e que tenha sido só um grande blefe com Bolsonaro acreditando nas suas próprias fake News. 


Mas a lógica é essa e a busca da oportunidade vai continuar, porque Bolsonaro não tem alternativa. Se ele fica com o seu desgoverno até as eleições é possível que não vá nem para o segundo turno, se algum desses manés da terceira via se viabilizar. Ele vai provocar crise sobre crise buscando a sua chance e, mesmo que não a consiga, vai deixar o país em frangalhos sob todos os pontos de vista.


O que pode fazer a oposição? 


Continuar as mobilizações é fundamental, mas vai ser preciso furar a bolha da esquerda. Não vai ser possível colocar milhões nas ruas sem ampliar muito a frente que chama as manifestações. O modelo das Diretas Já devia ser retomado, com entidades amplamente reconhecidas como idôneas e isentas como CNBB, OAB e ABI, assumindo o protagonismo com o apoio de todos os demais, entidades da sociedade civil, partidos de esquerda, de centro-esquerda, de centro e centro-direita. Um grande movimento cívico de salvação nacional. Sem isso, ou por intimidação das instituições da República ou por sua destruição, Bolsonaro vai se prolongar no poder. Durará? Provavelmente não, mas se cumprir a promessa antiga dos 30 mil mortos que a ditadura deveria ter matado, muitos de nós não veremos o raiar da liberdade.

26/08/2021 

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segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Imperialismo pariu a besta * Jeferson Miola

 IMPERIALISMO PARIU A BESTA

*PROTESTO DE MERCENÁRIOS/EUA DENTRO DE CUBA PRETENDE POR OVO DA MESMA SERPENTE QUE NO BRASIL EM 2013 E PARIU UM BOLSONARO EM 2018*

Por Jeferson Miola 

"EUA agravaram o bloqueio ilegal a Cuba para asfixiar o país e causar o caos social que anima reações contrarrevolucionárias como as que estão em curso.


CUBA 16 DE ABRIL DE 1961


A América Latina está no centro da disputa geopolítica que os EUA travam com Rússia e, principalmente, com a China, por isso a intensificação do ativismo imperial para derrubar governos e mudar regimes."


(...)" de modo geral, se observa que os estratagemas para a recolonização hemisférica passaram a ser mais elaborados, como se observa no inventário parcial da atuação – por vezes nem tão oculta – dos EUA nos últimos anos:– 2008: governo boliviano acusou os EUA de patrocinarem conflito separatista no departamento de Santa Cruz de La Sierra [Meia Lua]. Líderes da extrema-direita boliviana reuniram-se diversas vezes na embaixada dos EUA para planejar o plano de secessão;


– 2009: golpe em Honduras com a destituição, prisão e exílio ilegal do presidente Manuel Zelaya;


– 2012: golpe no Paraguai, com o impeachment sumário perpetrado em menos de 72 horas sem causa, sem processo e sem direito à defesa do presidente Fernando Lugo;


– 2012: criação da Aliança do Pacífico com governos vassalos para debilitar papel da UNASUL e CELAC;


– 2013: espionagem da presidente Dilma e da PETROBRÁS que pode estar relacionada com os preparativos da Lava Jato;


– 2013: cursos dos Departamentos de Justiça e de Estado e agências de inteligência dos EUA para procuradores, juízes, políticos, policiais federais e oficiais das Forças Armadas;


– 2013: “primavera brasileira” com as jornadas de junho e processos de desestabilização;


– 2013: avião presidencial de Evo Morales foi obrigado a fazer pouso de emergência em Viena depois dos EUA obrigarem países europeus a proibirem pouso técnico para reabastecimento em viagem de regresso de Evo da Rússia, colocando a vida do presidente em risco. Motivo: suspeitavam que Evo trazia Edward Snowden para conceder-lhe exílio na Bolívia;


– 2013: diplomata tucano Eduardo Saboia, encarregado de negócios da embaixada do Brasil em La Paz arquitetou e executou pessoalmente a fuga do senador oposicionista Roger Pinto, condenado criminalmente pela justiça da Bolívia [como prêmio, o diplomata tucano tornou-se chefe de gabinete de Aloysio Nunes no Itamaraty no governo golpista e ilegítimo de Temer];


– 2015/2016: derrubada da presidente Dilma. Em 18 de abril de 2016, dia seguinte à aprovação da fraude do impeachment na Câmara, o senador tucano Aloysio Nunes viajou a Washington para 3 dias de encontros com altas autoridades estadunidenses;


– 2017: eleição de Lenin Moreno para reverter a “revolução cidadã” no Equador;


– 2017: formação do Grupo de Lima com governos vassalos para avançar plano de atacar a Venezuela;


– 2018: governos vassalos dos EUA abandonam a UNASUL, organismo pelo qual os países da região equacionavam conflitos regionais pacificamente e sem interferência da OEA, organismo totalmente teleguiado por Washington;


– 2018: esvaziamento da CELAC, organismo que congrega todos países do hemisfério americano e que deixa de fora apenas EUA e Canadá [espécie de OEA sem EUA e Canadá];


– 2018: pressão dos EUA para FMI conceder empréstimo eleitoral de US$ 57 bilhões ao governo Macri, da Argentina, para impedir a eleição do peronismo [Alberto e Cristina] ao governo;


– 2019: designação de Juan Guaidó como “presidente autoproclamado” [sic] da Venezuela;


– 2019: simulacro de ajuda humanitária para invadir a Venezuela com apoio dos governos Bolsonaro e Ivan Duque;


– 2019: Luís Almagro, da OEA, falsificou informes para anular eleição legítima de Evo Morales e justificar o golpe perpetrado pela extrema-direita boliviana com o apoio material, político e diplomático dos governos Macri/Argentina, e Bolsonaro/Brasil;


– 2020: enfraquecimento do MERCOSUL por meio do acordo com a União Européia e tentativas de flexibilização da Tarifa Externa Comum do Bloco;


– 2020: agentes e apoiadores do governo brasileiro seguem caminho de Olavo de Carvalho e refugiam-se nos EUA – irmãos Weintraub, blogueiro Allan dos Santos, empresário cloroquiner Carlos Wizard, juiz-ladrão Sérgio Moro etc;


– 2021: viagem da vice-presidente dos EUA à América Central para difundir o eixo de ação dos EUA de “combate à corrupção” para a região [sic];


– 2021: presidente venezuelano Nicolás Maduro denunciou que o comandante do Comando Sul dos Estados Unidos Craig Faller e o diretor da CIA William Burns visitaram Colômbia e Brasil com objetivo de preparar plano para assassiná-lo;


– 2021: diretor da CIA se reuniu no Brasil com o chefe da ABIN, generais do governo militar e com Bolsonaro.


No último 7 de julho o presidente do Haiti Jovenel Moïse foi assassinado por mercenários de nacionalidade colombiana e estadunidense.


E, para completar este inventário provisório, destacam-se ainda os estranhos protestos “patrióticos” que espocaram em Cuba neste domingo, 11 de julho. Neles, “patriotas” usavam máscaras faciais estampadas com a bandeira dos EUA, também agitadas nos protestos."


CHÊ GUEVARA

Mais em:

*https://jefersonmiola.wordpress.com/2021/07/12/brasil-haiti-cuba-e-as-garras-dos-eua-na-america-latina/*


sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Qué pasa en Afeganistán? * Thierry Meyssan / Rede Voltaire

 Qué pasa en Afganistán?

Taliban exibindo armas norteamericanas

(à luz da estratégia militar, para reflexão dos camaradas)

Los grandes medios de difusión están interpretando la caída de Kabul de dos maneras.


Unos ‎afirman que los demócratas estadounidenses son cobardes y que la retirada de ‎Afganistán afecta la moral de los aliados de Estados Unidos. Pero otros estiman que ‎Washington ha utilizado bien sus cartas y que ha logrado clavar una espina en el pie a ‎los rusos y los chinos. Esas dos maneras contrapuestas de ver las cosas corresponden ‎al paradigma tradicional del Imperio estadounidense.


Por su parte, Thierry Meyssan ‎señala que, desde los hechos del 11 de septiembre de 2001, Washington está en manos ‎de los adeptos de la doctrina Rumsfeld-Cebrowski, en virtud de la cual ‎Estados Unidos busca obligar las demás potencias a pagar por protección en los países ‎cuyas riquezas esperan explotar. ‎


El 69,3% de los electores estadounidenses desaprueba la conducción ‎de las operaciones militares en Afganistán por parte de Joe Biden.



Sondeo del Trafalgar Group


Escenas que muestran la desesperación de quienes tratan de huir siguen llegando desde Kabul. Pero, ‎aun dejando de lado el hecho que la mayoría de los que tratan de escapar no son precisamente ‎pacíficos traductores de las embajadas occidentales sino los colaboradores de la campaña de ‎‎“contrainsurgencia” del ocupante estadounidense, lo que estamos viendo es una debacle capaz ‎de hacer perder la fe en el poderío de Estados Unidos. ‎


"Dólares abandonados..."

Por lo pronto:‎


el 51% de los estadounidenses desaprueba la política exterior del presidente Joe Biden;‎

el 60% de los estadounidenses desaprueba específicamente la política de Biden en Afganistán;‎

el 63% piensa que fue una guerra que no valía la pena librar [1];‎

la retirada de Afganistán ha suscitado verdadera conmocion entre prácticamente todos ‎los estadounidenses que combatieron en ese país. ‎

Sin embargo, ya es evidente que en Washington se sabía perfectamente que el ejército afgano ‎no resistiría ante los talibanes –aunque en teoría estos últimos eran 3 veces numéricamente ‎inferiores y estaban pobremente armados. El Combating Terrorism Center (CTC) de West Point ‎había publicado en enero un estudio que preveía la catástrofe que estamos viendo ‎‎ [2]. 


La cuestión no era saber ‎si los talibanes ganarían o no sino cuándo permitiría el presidente Biden que ganaran. ‎


"Armamento esquecido..."

Las negociaciones entre Estados Unidos y los talibanes, que se alargaron por años antes de que ‎el presidente Biden las interrumpiera bruscamente, fueron la preparación del acto final de ‎abandono del poder frente a los talibanes. Es muy válido que se cuestione el hecho que ‎Washington haya provocado la muerte de cientos de miles de personas y dedicado sumas ‎astronómicas y los esfuerzos de 4 presidentes a expulsar a los talibanes de Kaboul… para ‎terminar dejándolos volver ahora, al cabo de 20 años de guerra, y que nos preguntemos ‎también por qué el presidente Biden decidió asumir el papel de vencido.‎


Estamos ante la misma incomprensión que surgió cuando la Comisión Baker-Hamilton llevó a la ‎retirada estadounidense de Irak, con el secretario de Defensa de entonces –Donald Rumsfeld– ‎asumiendo sin vacilar el mismo papel de vencido. Aquella incomprensión volvió a expresarse hace ‎sólo 3 meses, a raíz del fallecimiento de Rumsfeld. ‎


Es hora de dejar de creer religiosamente lo que afirman los políticos y de prestar más atención a ‎lo que escriben los militares. Los políticos sólo dicen lo que el público está dispuesto a aceptar oír.


 Siempre estamos del lado correcto y si morimos es por la democracia. Pero los militares ‎no tratan de seducirnos sino de entender lo que se espera de ellos. Los militares no suelen ‎escribir para dorarnos la píldora, más bien suelen exponer la cruda realidad. ‎


Como he explicado en múltiples ocasiones [3], sólo días antes de los atentados del 11 de septiembre ‎de 2001, las fuerzas terrestres de Estados Unidos (US Army) publicaron un artículo del coronel ‎Ralph Peters donde se aseguraba que Estados Unidos no tenía que ganar guerras sino orquestar ‎situaciones de inestabilidad en ciertas regiones del mundo y sobre todo en el «Medio Oriente ‎ampliado» o «Gran Medio Oriente». El coronel Ralph Peters escribía también que habría que ‎rediseñar los Estados según criterios étnicos –o sea, separar pueblos que viven mezclados– y ‎que eso sólo sería posible mediante limpiezas étnicas y otros crímenes contra la humanidad. Y ‎terminaba su exposición señalando que el Pentágono siempre tendría la posibilidad de confiar el trabajo sucio a ‎mercenarios [4]. La conmoción suscitada días después por los hechos del 11 de septiembre propició ‎que nadie prestara atención a ese artículo, que proponía abiertamente la preparación de ‎crímenes abominables. ‎


Cinco años después, el coronel Ralph Peters publicó el mapa que el Estado Mayor Conjunto ‎estaba preparando en 2001 [5]. Una ola de pánico recorrió entonces todos ‎los estados mayores del Gran Medio Oriente, seguida de una serie de cambios de alianzas en la ‎región. Pero no fue hasta 2011 que pudo verse, con la guerra contra Libia –para entonces considerada ‎“aliada” de Estados Unidos– la envergadura real de lo que se había proyectado ‎en Washington. ‎


AGRONEGÓCIO PAPOULA

Desde aquel momento se ha visto que la guerra en Afganistán –que supuestamente iba a durar ‎sólo hasta la huida de Osama ben Laden– se prolongó 20 años; que la guerra en Irak –prevista ‎sólo hasta la caída del presidente Sadam Husein– ya ha durado 17 años; que la guerra en Libia –‎que debía durar sólo hasta que se derrocara al Guía Muammar el-Kadhafi– ya viene durando ‎‎10 años; y que la guerra en Siria –anunciada hasta el derrocamiento del presidente Bachar al-‎Assad– también dura ya 10 años. ‎


Hemos visto además como al-Qaeda –que es históricamente un engendro de la CIA– ‎ha cometido crímenes contra la humanidad, siempre en el sentido de lo anunciado por ‎el coronel Ralph Peters. Y lo mismo ha sucedido con Daesh –cuyo surgimiento fue orquestado ‎por el embajador estadounidense John Negroponte ‎ [6]‎. También se sabe ya que tanto al-Qaeda ‎como Daesh han recibido financiamiento, entrenamiento, armamento y órdenes de británicos y ‎estadounidenses. ‎


Sí, la «guerra sin fin» proclamada por el presidente George W. Bush no tiene como objetivo ‎‎«luchar contra el terrorismo» sino utilizar el terrorismo para desestabilizar toda una región ‎geográfica. Ese era precisamente el título del artículo que el coronel Ralph Peters publicó ‎en 2001: “Stability. America’s ennemy”, o sea “La estabilidad, enemiga de Estados Unidos”. ‎


Teniendo en cuenta todo lo anterior, debemos reinterpretar la caída de Kabul a la luz de la ‎nueva estrategia. El almirante estadounidense Arthur Cebrowski dedicó 2 años (2002 y 2003) a explicar esa estrategia en todas las academias militares. Se reunió así con todos los oficiales que ‎hoy son generales en las fuerzas armadas de Estados Unidos. La estrategia trazada por ‎Cebrowski fue además dada a conocer al “gran público” en un libro de Thomas Barnett, el ‎asistente del almirante. Pero ese libro [7] nunca se ha traducido. ‎


La caída de Kabul responde al objetivo central de esa estrategia… a condición de que ‎los talibanes no logren establecer un régimen estable, y sin aliados no podrán hacerlo. Además, ‎la huida de los colaboradores que se encargaban de las tareas de “contrainsurgencia” ‎por cuenta de las fuerzas ocupantes –si esos colaboradores logran hacerse pasar por pacíficos ‎traductores– permitirá extender el terrorismo en los países que los reciban. Es exactamente ‎lo que está denunciando el presidente ruso Vladimir Putin. ‎


Por otro lado, el enorme arsenal de guerra que Estados Unidos había entregado al ejército ‎afgano, y que ahora pasa a manos de los nuevos dueños de Kabul, pone a los talibanes ‎en condiciones de atacar a sus vecinos. Los talibanes incluso disponen de un exhaustivo fichero ‎con los datos biométricos de toda la población afgana [8] y de una fuerza aérea que cuenta con más de ‎‎200 aviones de combate –dos cosas que Daesh nunca tuvo. La guerra en Asia central podría ‎alcanzar próximamente proporciones mucho más terribles que lo que ya hemos visto en el Gran ‎Medio Oriente. ‎

Los inmigrantes que “hicieron” Estados Unidos eran en gran parte pandilleros y han ‎servido de modelo a los estrategas del Pentágono.‎

Último elemento, pero no menos importante. Algunos comentaristas estiman que Washington ‎abandonó Afganistán para crear problemas a Rusia y a China. Ese no es el objetivo de la ‎estrategia Rumsfeld-Cebrowski ‎ [9]‎‎. Según la visión de Cebrowski, ‎no hay que combatir a esas dos grandes potencias sino, al contrario, convertirlas en “clientes”. ‎Hay que ayudarlas a explotar los recursos de Afganistán, Irak, Libia, Siria y de muchos países más… ‎pero sólo bajo la protección del ejército de Estados Unidos. ‎


Es importante entender que Washington ya no razona como el Imperio Romano ante sus rivales ‎sino como las pandillas de barrio que ofrecen “protección” a los tenderos. Washington ya ‎no espera construir Arcos del Triunfo en conmemoración de gloriosas victorias, más bien acepta ‎que su presidente, Joe Biden, sea proclamado perdedor en Afganistán. Su objetivo es dominar ‎el mundo desde la sombra y obtener el máximo de capitales. ‎


‎¿Cree usted que es un escenario demasiado apocalíptico? ¡Busque el error de razonamiento!‎


Thierry Meyssan

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[1] «Afghanistan war unpopular amid ‎chaotic pullout», AP-NORC poll, por Josh Boak, Hannah Fingerhut y ‎Ben Fox, 19 de agosto de 2021; «Nationwide Issues Survey», Convention of ‎States Action-Trafalgar Group, agosto de 2021.


[2] «Afghanistan’s Security Forces Versus the Taliban: A Net Assessment», ‎Jonathan Schroden, CTC Sentinel, enero de 2021 (Vol 14, #1).


[3] Ver, por ejemplo, «Comment redessiner le Moyen-‎Orient?» in L’Effroyable imposture II, por Thierry Meyssan, primera edición en Alphée, 2006; ‎segunda edición en Demi-Lune, 2020.


[4] “Stability. America’s ennemy” [en español, “La estabilidad, ‎enemigo de Estados Unidos”, por el coronel Ralph Peters, Parameters, #31-4, invierno ‎de 2001.


[5] “Blood borders. How a better Middle East would look”, Ralph ‎Peters, Armed Forces Journal, 1º de junio de 2006.


[6] Se trata del mismo John Negroponte que participó en el Programa Phoenix de búsqueda y ‎eliminación física de dirigentes vietnamitas –el programa de “contrainsurgencia”‎ que Estados Unidos implementó, de 1965 a 1972– ‎durante su intervención militar en Vietnam– y que fue embajador de Estados Unidos en Honduras ‎desde finales de los años 1970 y hasta principios de los años 1980. Desde la embajada ‎estadounidense en Honduras, John Negroponte dirigió una salvaje represión en ese país y ‎la «guerra sucia» de la CIA contra el gobierno sandinista de Nicaragua. Ya con esa “brillante” ‎hoja de servicios, John Negroponte fue embajador de Estados Unidos ante la ONU, desde ‎septiembre de 2001 hasta julio de 2004, durante el primer mandato del presidente George ‎Bush hijo. (Nota de Red Voltaire.


[7] The Pentagon’s New Map: War and Peace in the Twenty-‎first Century, Thomas P. M. Barnett, Paw Prints, 2004).


[8] «El sistema estadounidense de ‎identificación biométrica cayó en manos ‎de los talibanes‎», Red Voltaire, 23 de agosto de 2021.


[9] ‎«El proyecto militar de Estados Unidos para ‎el ‎mundo» y «La doctrina Rumsfeld-‎Cebrowski», por Thierry Meyssan, ‎‎Red Voltaire, 22 ‎de ‎agosto ‎de 2017 y 25 de mayo de 2021.

https://www.voltairenet.org/article213828.html

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quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Afeganistão: outro olhar * Ernesto Germano Parés / RJ

  AFEGANISTÃO: OUTRO OLHAR

Ernesto Germano Parés / RJ

Vou tentar ser breve, sem ficar repetindo o alarmismo da grande imprensa internacional. Informo, também, que não pactuo com uma parte da esquerda “maluca” que comemora o talibã apenas porque foi uma derrota dos EUA. Sinceramente, desde 2001 eu escrevo pequenos artigos mostrando que o problema no Afeganistão é muito mais complexo do que se fala. E vou tentar resumir meus artigos passados.

 

1) Antes de debater o que ocorre agora no Afeganistão, precisamos voltar no tempo: 1979. Para quem esqueceu ou não acompanhou, o país tinha um governo de esquerda, muito próximo da União Soviética (que ainda existia). Na época, o presidente estadunidense era o Jimmy Carter, do Partido Democrata, que criou um plano para lutar contra a URSS. Treinou e armou os “jihadistas” para combater as tropas soviéticas. Quem já esqueceu que Bin Laden foi treinado e financiado pelos EUA e era amigo de Carter e da família Bush?

 

2) Sabemos, também, que a CIA investiu nada menos do que 2 bilhões de dólares nesse projeto e criou a conhecida “Al Qaeda” (1988), que depois se tornou inimiga dos EUA! Tem um filme ridículo, Rambo III, que no final diz que é dedicado aos “heroicos membros do Taliban que lutaram pela liberdade”.

 


3) Em 1989, Gorbachev, já esgotado com a guerra e sem orçamento, retirou as tropas soviéticas do Afeganistão (pouco depois a União Soviética desaparecia) e os EUA comemoravam a vitória dos “jihadistas”.

 

4) É então que começa a disputa. Durante algum tempo a Al Qaeda fez o “trabalho sujo” para os EUA, não só no Afeganistão, mas, depois, na Iugoslávia. E quando Gorbachev se retirou do Afeganistão e a URSS desapareceu, o grupo jihadista mais organizado era o Talibã e eles tomaram o poder, não a Al Qaeda!

 

5) Bush e Bin Laden realizaram vários trabalhos juntos, pelo mundo. O filme de Michael More, Fahrenheit 9/11, mostra isso.

 

6) Mais ou menos, em meados dos anos 1990 começa o interesse econômico e geoestratégico dos EUA na região. Não era mais uma questão de enfrentar os soviéticos. E o Taleban era considerado um possível grande aliado, segundo a CIA. Não importavam as atrocidades cometidas por eles (principalmente contra mulheres), o importante era ter uma saída para o petróleo e o gás sauditas! E a CIA acreditava que o grupo poderia “evoluir” como os sauditas! Mas o Talibã deixou de cumprir com o desejado e não conseguiu tomar conta de todo o Afeganistão para fazer o oleoduto/gasoduto desejado pelos EUA. O outro grupo radical agindo no país era a chamada “Aliança do Norte”, lembram? Mas eles não aceitaram o plano.

 

7) É então que acontece a grande oportunidade estadunidense: o ataque às torres gêmeas! Foi a “justificativa” para o Pentágono montar toda a operação de guerra e invadir o Afeganistão, em 2001! Ou seja, não tinha nada com Bin Laden, mas com os interesses geoestratégicos na região (proximidade com China e Rússia).

 

Campos de papoula


8) A verdade é que o custo para manter a ocupação do Afeganistão era muito alto e estava desgastando o governo estadunidense. O troglodita Trump não se incomodava com isso, mas Biden tinha assumido compromissos e resolve retirar totalmente as tropas de lá. Ainda hoje vi uma entrevista dele em um jornal espanhol dizendo que “não esperava que o país desmoronasse tão rapidamente e que o Taliban encontrasse tanta facilidade para tomar o poder”.

 

Mas há outro aspecto que nos obriga a voltar um pouco na história, mais uma vez. É preciso lembrar que, em abril de 1978 o Partido Democrático Popular do Afeganistão, de esquerda, toma o poder através de uma revolução popular. No idioma persa, o nome do segundo mês do calendário (diferente do nosso) é “saur”. Daí a revolução ter ficado conhecida como “Revolução do Saur” (que aconteceu em abril).

 

Algumas histórias são pouco conhecidas, mas sabemos que a monarquia que havia se instalado no país em 1926 foi derrubada, mas teve início um governo de “partido único”. Depois de uma revolução que teria acontecido porque um dos líderes do grupo político Parcham, aliado PDPA foi assassinado. O governo divulgou um comunicado “lamentando” o caso, mas havia um pensamento comum de que teria sido comandado por membros da monarquia no poder.

 

Mais campos de papoula


Houve um grande protesto e os líderes do PDPA foram presos. A história nos diz que membros do próprio exército do governo existente comandaram a revolta que levou os socialistas ao poder.

 

O PDPA, composto de dois grupos (Khald e Parcham) chega ao poder e implementa uma agenda chamada de “comunista”. Proclamou o Estado Laico e ateu, proibiu os lucros bancários, defendeu direitos das mulheres e decretaram a igualdade entre os sexos (mulheres entraram para as faculdades, para a vida política e para o trabalho).

 

O FDPA proibiu a plantação da papoula em todo o país e combateu a produção de ópio, uma das grandes riquezas da região (desde a chamada “Guerra do Ópio”).

 

Isso incomodou uma maioria de afegãos, majoritariamente muçulmanos, se a situação se acirrou ainda mais depois da aliança com a União Soviética. Financiados pelos EUA, começam a crescer os grupos radicais religiosos. E é nesse momento que começam a financiar e treinar grupos como a Al-Qaeda e os Talibãs.

 

Grandes proprietários de terras, plantadores de papoulas, sentiram-se prejudicados com o governo de esquerda e começam a acirrar o fundamentalismo religioso, jogando os trabalhadores rurais contra as mudanças implementadas.

 

Na verdade, desejavam impedir a Reforma Agrária já iniciada pelo governo e começam a fortalecer os grupos de onde se originam, mais tarde, os Mujahidins (de onde se originam Al-Qaeda e Talibãs). E quando os Talibãs afastam o governo socialista irão manter a proibição das plantações da papoula.

 

Com a invasão dos EUA em 2001, sob a desculpa do ataque às Torres Gêmeas, a agricultura da papoula, que fora praticamente erradicada pelo Talibã, voltou a florescer no Afeganistão.

 

É de se presumir que o cultivo tenha sido retomado nas terras dos grandes proprietários rurais, anteriormente opositores à Revolução de Saur, ocorrida em 1978 e determinante para o processo histórico posterior.

 


Para responder à pergunta “como agir, agora” é preciso saber como vão se portar os Talibãs no poder. Vão voltar a proibir a plantação de papoulas e a produção de ópio? Isso vai causar um novo “reboliço” o tráfico internacional de narcóticos!

 

Portanto, os interesses econômicos na região (ópio e petróleo/gás) vão voltar a dominar o cenário!

 

E tudo o que a imprensa fala hoje, de perseguição às mulheres, violência, fundamentalismo islâmico e outras coisas me parece apenas “poeira nos olhos” para não vermos o principal: a volta da produção do ópio em larga escala (não esquecer que os EUA são o maior consumidor mundial) e a questão política e geoestratégica em uma época que a disputa econômica com Rússia e China é grande.

 

Só para terminar, no que estudei de história, o “fundamentalismo” surgiu nos EUA quando os protestantes exigiam uma interpretação literal da Bíblia. Isso no início do Sec. XX. Se formos ainda mais longe, quase todos os países iniciam suas leis e suas constituições com o termo “sob a proteção de deus”. Estou errado? Isso é fundamentalismo, literalmente...

 

SOBRE AS FOTOS

Nas imagens: 01 e 02) durante o regime comunista, jovens iam às universidades com a roupa que desejassem; 03 e 04) plantações de papoulas quando derrubaram o governo democrático; 05) mapa mostrando a importância estratégica do Afeganistão.

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domingo, 22 de agosto de 2021

Rússia-China dirigem a cena do Talibã * (Antonio Cabral Filho/RJ)

Rússia-China dirigem a cena do Talibã

- PARA REFLEXÃO DOS CAMARADAS-

(22 de agosto de 2021

Por Pepe Escobar, para o The Saker

Tradução de Patrícia Zimbres, para o 247


Nem Moscou nem Pequim têm qualquer ilusão quanto a que o Ocidente já esteja empregando táticas de Guerra Híbrida para desacreditar e desestabilizar um governo que nem ainda foi formado e sequer começou a trabalhar

A primeira entrevista coletiva do Talibã após o terremoto geopolítico que foi o momento Saigon deste fim de semana, conduzida pelo porta-voz Zabihullah Mujahid foi, por si só, um ponto de virada.


O contraste com aquela entrevista coletiva repleta de jornalistas zangados que teve lugar na embaixada talibã em Islamabad, depois do 11 de setembro e antes do início dos bombardeios americanos, não poderia ser mais gritante, mostrando que temos agora um animal político totalmente novo.


Mas há coisas que não mudam nunca. A tradução para o inglês continua sendo atroz.


Aqui vai um resumo das principais declarações talibãs, e aqui (em russo), um apanhado bastante detalhado.

 

Estes são os pontos principais:


Não haverá problemas para mulheres que queiram estudar até o nível superior e continuar a trabalhar. Elas apenas terão que aceitar usar o hijab (como em Catar e no Irã). Não será exigido o uso de burkas. O Talibã insiste que "todos os direitos das mulheres serão garantidos dentro dos limites da lei islâmica". 


O Emirado Islâmico "não ameaça ninguém" e não tratará ninguém como inimigo. Da máxima importância é que a vingança - um ponto essencial do código Pashtunwali – será abandonada, o que não tem precedentes históricos. 


Haverá uma anistia geral - inclusive para pessoas que trabalharam para o sistema anterior alinhado à OTAN. Os tradutores, por exemplo, não serão perseguidos e não precisam abandonar o país.


A segurança das embaixadas estrangeiras e das organizações internacionais "é uma prioridade". As forças especiais de segurança do Talibã protegerão tanto os que saírem do Afeganistão quanto os que ficarem. 


Um governo islâmico forte e inclusivo será formado. "Inclusivo" é linguagem em código para a participação de mulheres e de xiitas. 


A mídia estrangeira poderá continuar seu trabalho sem ser perturbada. O governo do Talibã permitirá críticas e debates públicos. Mas "a liberdade de expressão", no Afeganistão, deverá estar alinhada aos valores islâmicos". 


O Emirado Islâmico do Talibã deseja o reconhecimento da "comunidade internacional"- linguagem em código para a OTAN. Seja como for, grande parte da Eurásia e do Sul Global irá reconhecê-lo. É importante observar, por exemplo, a integração cada vez maior da Organização de Cooperação de Xangai (OCX) - o Irã está prestes a se tornar membro pleno e o Afeganistão é observador -  com a Organização de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN): a maioria absoluta da Ásia não irá repudiar o Talibã. 


Para que conste oficialmente, eles declararam também que o Talibã tomou a totalidade do território afegão em apenas onze dias, o que é bastante preciso. Eles ressaltaram que têm "relações muito boas com o Paquistão, a Rússia e a China". Mas o Talibã não tem alianças formais e não faz parte de nenhum bloco militar-político.  Eles, terminantemente, "não permitirão que o Afeganistão se converta em santuário para terroristas internacionais". Isso é código para o ISIS/Daesh.


Sobre a importantíssima questão ópio/heroína: o Talibã proibirá sua produção. Então, para todos os fins práticos, o caminho de rato da heroína controlado pela CIA está morto.


O Emirado Islâmico do Afeganistão está de volta com um estrondo - Pepe Escobar

Comandante do Talibã: 'não haverá democracia, a lei é a sharia e é isso'

Por mais surpreendentes que sejam essas declarações, o Talibã nem chegou ainda a entrar em detalhes quanto aos acordos de desenvolvimento econômico e de infraestrutura – uma vez que eles irão precisar de uma grande quantidade de novas fábricas, de muitos empregos e de melhores relações comerciais por toda a Eurásia.  Isso será anunciado mais tarde. 


O russo com quem se pode sempre contar 


Nos Estados Unidos, observadores perspicazes vêm comentando, meio que de brincadeira, que o Talibã, em uma única sentada, respondeu a mais perguntas da mídia americana que o Presidente dos Estados Unidos desde janeiro.  


O que essa primeira coletiva revela é o quão rapidamente o Talibã vem aprendendo com Moscou e Pequim a lidar com mídia e relações públicas, dando ênfase à harmonia étnica, ao papel das mulheres, ao papel da diplomacia e desativando com um único movimento a histeria que corre solta por todo o OTANistão.


O próximo e explosivo passo nas guerras de relações públicas será anular a ligação fatal e sem nenhuma prova entre o Talibã e o 11 de setembro. Depois disso, o rótulo de "organização terrorista" irá desaparecer, e o Talibã, como movimento político, será plenamente legitimado.  


Moscou e Pequim vêm tendo uma atuação meticulosa como diretores de cena da reinserção do Talibã na geopolítica regional e global. O que significa que, em última análise, a OCX vem assumindo a direção de cena de todo o processo, aplicando o consenso alcançado após uma série de reuniões ministeriais e de lideranças que levaram à convocação de uma cúpula de máxima importância a ser realizada no próximo mês de setembro em Dushanbe.


O principal ator com quem o Talibã vem conversando é Zamir Kabulov, o envido especial do presidente russo ao Afeganistão. Em um outro desmentido da narrativa do OTANistão, Kabulov confirmou, por exemplo, que "não vemos nenhuma ameaça direta a nossos aliados da Ásia Central. Não há qualquer fato que prove o contrário".


O Beltway vai ficar estarrecido quando souber que Zabulov revelou também que "há muito vimos conversando com o Talibã sobre as perspectivas de desenvolvimento após eles tomarem o poder, e eles confirmaram repetidamente que não têm qualquer ambição extraterritorial, que eles aprenderam a lição de 2000".  Esses contatos foram estabelecidos "ao longo dos últimos sete anos". 


Zabulov enumera diversas pérolas sobre a diplomacia Talibã: "se compararmos a capacidade de negociação de colegas e parceiros, concluímos que há muito o Talibã vem se mostrando muito mais acessível que o governo fantoche de Cabul. Partimos da premissa de que os acordos têm que ser implementados. Até agora, no que diz respeito à segurança da embaixada e à segurança de nossos aliados da Ásia Central, o Talibã vem respeitando todos os acordos".


Fiel à sua adesão ao direito internacional, e não a uma "ordem internacional baseada em regras", Moscou tende sempre a enfatizar a responsabilidade do Conselho de Segurança da ONU: "Temos que assegurar, como condição, que o novo governo esteja disposto a se comportar, como costumamos dizer, de forma civilizada. Quando essa percepção se tornar generalizada, então o processo [de remover a qualificação do Talibã como organização terrorista] irá começar". 


Então, enquanto Estados Unidos-União Europeia-OTAN fogem de Cabul em espasmos de pânico auto-infligido, Moscou pratica - o que mais seria? - diplomacia. Zabulov: "O fato de termos, com antecedência, preparado terreno para conversas com o novo governo do Afeganistão é uma vitória da política externa russa". 


Dmitry Zhirnov, embaixador russo no Afeganistão, vem trabalhando incessantemente com o Talibã. Ontem ele se reuniu com um funcionário graduado da área de segurança do Talibã. O encontro foi "positivo, construtivo... O movimento Talibã tem uma postura muito amigável, a melhor possível com relação à Rússia... Ele chegou sozinho em um único carro, sem guardas". 


Nem Moscou nem Pequim têm qualquer ilusão quanto a que o Ocidente já esteja empregando táticas de Guerra Híbrida para desacreditar e desestabilizar um governo que nem ainda foi formado e sequer começou a trabalhar. Não é de admirar que a mídia chinesa venha descrevendo Washington como um "vilão estratégico".  


O que importa é que Rússia-China estão muito à frente nessa corrida, cultivando  raias paralelas de diálogo diplomático com o Talibã. É sempre importante lembrar que a Rússia abriga 20 milhões de muçulmanos, e a China, pelo menos 35 milhões. Eles serão conclamados a apoiar o gigantesco projeto de reconstrução afegã - e a plena inserção daquele país na Eurásia. 


Os chineses anteviram o que iria acontecer 

O Chanceler chinês Wang Yi anteviu esses acontecimentos com semanas de antecedência. O que explica a reunião de Taijin, em fins de julho, quando ele recebeu uma delegação de talibãs de alto escalão, chefiada pelo Mulá Baradar, conferindo a eles total legitimidade política. Pequim já sabia que o momento Saigon seria inevitável. Daí a declaração ressaltando que a China esperava "desempenhar um papel importante no processo de reconciliação política pacífica e de reconstrução no Afeganistão.


O que isso significa na prática é que a China será parceira do Afeganistão nos investimentos em infraestrutura por intermédio do Paquistão, incorporando o país na ampliação do Corredor Econômico China-Paquistão (CECP), que irá diversificar os canais de conectividade com a Ásia Central. O corredor das Novas Rotas da Seda, indo de Xinjiang ao porto de Gwadar, no Mar Arábico, irá se ramificar: a primeira ilustração concreta é a construção chinesa da ultra-estratégica rodovia Peshawar-Cabul.


Os chineses estão também construindo uma grande rodovia através do geologicamente espetacular e deserto corredor de Wakhan, ligando Xinjiang à província de Badakhshan, que incidentalmente está agora sob total controle talibã. 


O trato é claríssimo: o Talibã não poderá dar santuário ao Movimento Islâmico do Turquestão Oriental (ETIM) nem interferirá em Xinjiang.


O combo comércio/segurança, ao que tudo indica, será vantajoso para todas as partes. E nem começamos ainda a tratar dos futuros acordos que permitirão que a China explore as imensas riquezas minerais do Afeganistão.


Mais uma vez, o Grande Quadro indica que a dupla-hélice Rússia-China, conectada a todos os "istãos"  e também ao Paquistão, vem traçando um plano de jogo/mapa de percurso para o Afeganistão. Em seus muitos contatos com russos e chineses, o Talibã pareceu ter plena compreensão de como se beneficiar de seu novo papel no Novo Grande Jogo.


O Novo Eixo do Mal ampliado 


Táticas imperiais de Guerra Híbrida fatalmente serão usadas para se contrapor a esse cenário. Tome-se a primeira proclamação de uma "resistência", a Aliança do Norte, em tese liderada por Ahmad Masoud, filho do lendário Leão do Panjshir, morto pela al-Qaeda dois dias antes do 11 de setembro. 


Conheci pessoalmente o pai de Masoud – um ícone. Pessoas que conhecem de perto a situação afegã dão informações nada lisonjeiras sobre o filho de Masoud. Mas ele já se converteu no queridinho dos europeus woke, e chegou a posar para uma foto glamorosa para a AFP, receber uma visita de última hora do filósofo e escroque profissional Bernard-Henri Levy, e lançar algo parecido com um manifesto, publicado em diversos jornais europeus, exibindo os chavões "tirania", "escravidão", vendeta", "nação martirizada", "Cabul grita", "nação acorrentada" etc.


O esquema todo cheira ao estratagema "o filho do Xá [do Irã]". Masoud filho e sua mini-milícia estão completamente cercados nas montanhas do Panjshir e não conseguiriam arregimentar os menores de 25 anos, dois-terços da população afegã, cuja principal preocupação é encontrar empregos reais na economia real que vem nascendo. 


As "análises" woke do OTANistão não se qualificam sequer como irrelevantes: elas insistem que o Afeganistão não é estratégico e perdeu até mesmo importância tática para a OTAN. É um triste espetáculo que ilustra o quanto a Europa ficou para trás na corrida, encharcada de neo-colonialismo de marcas do tipo Fardo do Homem Branco quando nega a importância de uma terra dominada por clãs e tribos.


É de se esperar que a China seja uma das primeiras potências a reconhecer formalmente o Emirado Islâmico do Afeganistão, juntamente com a Turquia e, mais adiante, a Rússia. Já aludi ao futuro Novo Eixo do Mal: Paquistão-Talibã-China. O eixo será fatalmente ampliado para abranger a Rússia e o Irã. E daí? Perguntem ao Mulá Baradar: ele não liga a mínima. 


https://www.brasil247.com/blog/russia-china-dirigem-a-cena-do-taliba

Por Pepe Escobar)

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