quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Las Marianas: a força das mulheres na Revolução Cubana * Simone Magalhães / MST

Las Marianas: a força das mulheres na Revolução Cubana


Há 62 anos a Revolução continua a nos inspirar na resistência e nos desperta a reconhecer o poder e o valor das mulheres

Por Simone Magalhães*
Da Página do MST

Nesse 02 de Janeiro, um dia após as comemorações do triunfo da Revolução Cubana no 1º de janeiro de 1959, vamos lembrar também de mais um importante feito e legado da Revolução: a garantia da participação e o reconhecimento das mulheres no fazer revolucionário da Ilha.


Após o triunfo do Exército revolucionário, que derrotou a ditadura de Fulgêncio Batista, no dia 02 de janeiro de 1959, Fidel Castro partiu de Santiago de Cuba para a capital do país com a Caravana da Liberdade. A Caravana, composta por estudantes, operários e camponeses, contou com uma unidade de combatentes especial, o pelotão Mariana Grajales. O Pelotão de Mulheres revolucionárias, formado por treze jovens na faixa dos 17 anos, sobretudo de origem camponesa, foi organizado em 03 de setembro de 1958 pelo Exército Rebelde para combater na Sierra Maestra, ao lado de Célia Sanchez e Fidel Castro.


Mesmo antes de se constituírem em unidade de combate, as corajosas mulheres já vinham realizando tarefas arriscadas, levando remédios, armas, alimentos, arrecadando dinheiro aos rebeldes e fazendo denúncias do regime de Batista. Mas, ao subirem a Sierra, estiveram ombro a ombro com os demais guerrilheiros, assumindo posição na primeira linha de fogo.


Sob o comando da enfermeira rebelde Isabel Rielo e de Tetê Puebla, as mulheres do pelotão Mariana Grajales participaram de combates armados e realizaram importantes missões, as quais lhes colocaram em perigo iminente frente ao exército inimigo.


Afirmou Fidel certa vez, por ser questionado por armar as mulheres com os melhores fuzis (o M-1): “Te voy a decir por qué, porque son mejores soldados que tú!”

A unidade combatente de mulheres do Exército Revolucionário recebeu esse nome em homenagem à Mariana Grajales, la madre de la Pátria, mulher preta, combatente, que durante dez anos subiu montanhas, cuidou de feridos, cruzou rios e combateu pela independência de Cuba no século XIX. Mariana é símbolo do patriotismo cubano e do heroísmo nacional, porque não apenas se dedicou pessoalmente à luta pela Independência Cubana, como também estimulou os seus filhos Maceo a lutarem pela libertação do país.


Quando a Caravana da Liberdade partiu de Santiago de Cuba rumo à Capital, Las Marianas entram com Fidel Castro em Havana no dia 08 de janeiro de 1959.


Daí em diante, o pelotão Mariana Grajales assumiria diferentes tarefas como realizar o censo da reforma agrária, o desenvolvimento de trabalho solidário, enquanto outras companheiras se incorporaram em diversas unidades militares.


Há 62 anos a Revolução Cubana continua a nos inspirar na resistência ao capitalismo e nos desperta a reconhecer o poder e o valor das mulheres combatentes e revolucionárias nesse processo. Ademais, o esforço da revolução em reconhecer a força organizada das mulheres e a sua participação ativa demonstra que as revolucionarias e os revolucionários estavam cientes de que não podiam protelar no combate às discriminações de gênero e raça; como agora, sabiam quão imperativo é derrotar o machismo e o racismo para fazer brotar a sociedade democraticamente transformada.


*É integrante do setor de educação do MST e do Coletivo Terra, Raça e Classe do MST
**Editado por Wesley Lima

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terça-feira, 28 de setembro de 2021

COMANDANTE CLEMENTE, VIVE E LUTA! * Editorial Adandé

COMANDANTE CLEMENTE, VIVE E LUTA!

-Documento para reflexão dos camaradas do PCTB-

Em 29 de junho de 2021, fez 4anos, o saudoso Carlos Eugênio da Paz, nosso Comandante Clemente, nos deixava. Clemente assumiu o comando militar da Ação Libertadora Nacional, a ALN, e fez parte de sua Coordenação Nacional, após o assassinato pela ditadura militar fascista do Comandante Toledo, o Velho, Joaquim Câmara Ferreira, em 23 de outubro de 1970. Com apenas 20 anos, Carlos Eugênio, juntamente com Ana Maria Nacinovic, Paulo de Tarso Celestino, Iuri Xavier Pereira, José Luiz da Cunha, o Comandante Criolo, e tantos outros homens e mulheres do povo, combatentes da libertação popular formaram a última geração de guerrilheiros da ALN, fundada por Carlos Marighella e a mais importante organização revolucionária que combateu a ditadura empresarial-militar.
Sentenciado a 124 anos de prisão pela ditadura e o mais procurado guerrilheiro da última fase da luta armada contra o regime fascista dos generais, o Comandante Clemente, foi retirado do país pela organização, saindo pela Argentina e Cuba, até se exiliar em Paris a partir de 1973/74, conseguindo sua anistia política apenas em 1982. Escreveu dois importantes livros de memórias da luta revolucionária no Brasil: “Viagem à luta armada” (1996) e “Nas trilhas da ALN” (1997). Através de seus depoimentos, generosidade e combatividade fez a ponte entre a geração de revolucionários da ALN e a geração atual.
Em sua homenagem publicamos o texto inédito da Ação Libertadora Nacional, que traz um balanço das ações da ALN sob o comando militar de Carlos Eugênio da Paz, publicado no jornal O Guerrilheiro nº 4, de janeiro de 1972:
FORTALECER A NOSSA DECISÃO – UM BALANÇO
Janeiro de 1972*
Estamos cumprindo pouco mais de um ano do assassinato de Toledo, fato que tornou maiores e mais difíceis as responsabilidades assumidas e as tarefas a realizar. Qual era a situação naquela época? A que nos propúnhamos então?
O ano de 1970 havia sido, para o movimento revolucionário em geral e para a Organização em particular, um ano da atividade intensa e de pouco desenvolvimento. Com a morte de Marighella e os golpes sucessivos que sofremos naquele período, o inimigo conseguiu tomar e manter a iniciativa, atingindo-nos duramente e evitando que pudéssemos desencadear as ações rurais. Assim, 1970 deveria ser um ano de reconstrução e de reorganização, tarefa difícil em virtude das condições de refluxo e confusão que enfrentávamos. O número de ações reduziu-se consideravelmente, ficando em sua maior parte restritas a São Paulo e possuindo um caráter eminentemente financeiro. A imprensa clandestina praticamente inexistiu, a distribuição de materiais e seu debate foram limitados, a atividade e a penetração política da Organização nas diversas áreas foi muito escassa.
Mesmo assim, sob o comando de Toledo, fomos enfrentando tal quadro, buscando cumprir o fundamental de nossas perspectivas, de reorganização e estabilidade da Organização. Mas a morte deste dirigente revolucionário provado e respeitado, líder indiscutível, veio agravar as condições que tínhamos de cumprir estas tarefas.
Qual era o quadro que então enfrentávamos? De um lado, sob a orientação de Toledo, vínhamos superando uma série de dificuldades decorrentes da morte de Marighella. As quedas desse período, somadas as do início do ano, criavam uma situação de dispersão e a falta de uma atividade planejada e centralizada. Rompe-se o elo da frente urbana e rural, com todas as consequências disso. Manifestavam-se desvios de todo o tipo (liquidacionismo em relação à luta urbana, visão deformada da luta rural, abandono do trabalho político, etc.).
Firme e pacientemente, Toledo dirigia o trabalho de reconstrução da Organização em todos os sentidos: recontata setores e áreas, orienta a abertura de frentes de trabalho político, efetua deslocamentos, organiza, coordena, planeja. Sua direção vai se fazendo sentir principalmente no terreno político: importantes passos se dão no sentido de uma maior aproximação entre as forças revolucionárias, com várias iniciativas concretas, ações conjuntas, etc. No documento “ALN, balanço e perspectivas", indica as diretrizes fundamentais para nossa atuação, desenvolve novos critérios e sistemas de organização, adequados às novas condições, com base no combate aos desvios, e consolida-se a unidade da Organização. Retoma-se o trabalho rural, já dentro de um planejamento.
Na Guanabara, em agosto, havíamos sido vítimas de infiltração, perdemos alguns quadros valiosos e também as condições operacionais. Em setembro, a Organização no Nordeste havia sido golpeada e dispersada, estávamos sem contato com a região. Em Minas possuíamos reduzida penetração e não tínhamos condições para a realização de ações. Em São Paulo ainda nos ressentíamos dos profundos golpes recebidos em 69 e 70. Apesar de ali serem melhores as condições operacionais, a infraestrutura abrangia um número reduzido de setores e a penetração da Organização estava debilitada.
Portanto, ao encararmos então o ano de 1971, difíceis se afiguravam os objetivos a atingir, enormes dificuldades a vencer.
Hoje, dando um balanço de nossas atividades, os avanços que conquistamos são inegáveis e evidentes os resultados obtidos. A melhor maneira de expressarmos esse avanço, ao resumirmos nossa atuação em 1971, é enumerar de forma sumária o volume de ações desenvolvidas – expressão aberta da existência da ALN (sendo, portanto, do conhecimento do inimigo, sem implicar na violação das normas de segurança).
SÃO PAULO
Em SP, a Organização realizou no ano de 1971, aproximadamente 75 ações de maior vulto. Destas, 10 foram realizadas em Frente com outras Organizações e grupos revolucionários.
Não pretendemos relacionar todas as ações, mas acreditamos ser importante destacar alguns de seus aspectos principais: as de caráter expropriatório-financeiro somam 26, dentre as quais 7 empresas (Mangels, Villares, Ericsson, Vulcan, Pollone, Cima, Coca-Cola). As realizadas visando a fortalecer a infraestrutura chegam a 12, abrangendo principalmente os setores de documentação, imprensa e propaganda. No que se refere às ações de fustigamento do inimigo e aumento da potência de fogo, seu número atinge 10, destaca-se o ataque a 7 rádio-patrulhas.
Finalmente, temos um conjunto de aproximadamente 25 ações que abrangem os mais variados setores, com os mais diversos objetivos. Como exemplos, temos as ocupações do restaurante de luxo Hungaria, no dia 1º de maio; de um teatro; do refeitório da PUC; a colocação de uma viatura com fita gravada na USP; uma distribuição de alimentos em favela; a queima do palanque armado para o desfile militar de 7 de setembro; a queima de três carros de distribuição da Folha de São Paulo; bombas na Supergel e em diversas casas de representantes ianques; a queima de um ônibus quando do último aumento das passagens; diversas panfletagens e distribuições de Venceremos, o justiçamento de Boilesen e ação na ponte do Jaguaré.
Neste volume de ações, o que se destaca não é apenas o seu número. Achamos que a variedade e o caráter das ações realizadas é o fato mais auspicioso em tal conjunto. Ainda em São Paulo, foi possível estender e fortalecer um pouco mais a infraestrutura da guerrilha urbana. O relacionamento entre a solidificação da infraestrutura e o aumento do volume de ações – garantindo e expressando a maior estabilidade – permitiu que a penetração política da Organização avançasse.
GUANABARA
Na GB, onde nos ressentimos sempre da falta de uma maior penetração política, através de um paciente trabalho de organização – orientado simultaneamente para fortalecer a base de sustentação política, a infraestrutura e a formação de um grupo de fogo capacitado a desenvolver as ações necessárias – conseguimos, principalmente a partir de meados do ano, retomar um ritmo de trabalho satisfatório nas diversas frentes.
São expressão desse trabalho as 15 ações realizadas em 1971 (7 em Frente com outras organizações, apenas uma praticada no primeiro semestre). Somaram 6 as ações financeiras; 2 as de infraestrutura; 3 bombas contra empresas imperialistas, 2 ataques contra rádio-patrulhas; o justiçamento de um traidor; 2 ataques a locais onde estavam expostos cartazes com fotografias de revolucionários clandestinos. A publicação do jornal Ação, já em seu 3º número, pelos companheiros da GB, é igualmente fato alentador.
Ainda quanto às ações, duas foram realizadas no Nordeste e contou com a participação de combatentes da ALN; a ação de Bodocó, no sertão pernambucano e aquela realizada em novembro, em Recife, de caráter financeiro.
FORTALECIMENTO
Em 1971 conseguimos, portanto, fortalecer a ALN em São Paulo, reorganizá-la e desenvolvê-la na GB, atingir o Nordeste e iniciar o trabalho de montagem da Organização em outras áreas urbanas. A imprensa clandestina avançou enormemente com a publicação de Venceremos (já em seu 5º número); de 2 números de O Guerrilheiro e 3 do Ação; além da publicação de uma coletânea de escritos de Marighella, de uma apostila de explosivos, minas e tiro e outra de enfermagem.
Para atingir tais resultados, necessitamos superar não apenas nossas próprias dificuldades e a ação permanente do inimigo, como também travar uma constante e incansável luta política contra aqueles elementos oportunistas e as tendências reformistas que procuram fracionar nossa Organização. A luta neste terreno permitiu fortalecer a unidade e a coesão da Organização.
Portanto, quando analisamos nossa atividade no ano que passou, não podemos deixar de nos alegrar. Apesar de todos os sacrifícios, e em consequência deles, as vitórias e o fortalecimento da ALN são inquestionáveis. A responsabilidade cabe a todos os combatentes que, com sua atuação decidida e incansável, tornaram isto possível. A Coordenação Nacional deseja, pois, levar a todos os seus militantes as mais fraternas saudações por seus feitos e contribuições neste ano que passou.
O CAMINHO
Porém, realizamos todo o possível e o necessário? A resposta a esta pergunta não é simples nem definitiva. A situação em que hoje nos encontramos é, sem dúvida, bem melhor que há um ano. Mas ainda somos débeis, não pudemos, com toda atividade, superar suficientemente os golpes sofridos em 69/70. Nossa atuação ainda não atingiu um nível que indicasse o sentido de pôr em xeque a ditadura, que mantém a iniciativa e nunca teve um controle tão grande do país (em todos os setores) como atualmente. Devido às nossas debilidades, os golpes que o inimigo consegue aplicar-nos repercutem muitas vezes de maneira desproporcional as suas reais dimensões.
Portanto, o caminho que temos à frente não é fácil, nem pequenas as tarefas a cumprir. Na situação que atravessa o movimento revolucionário – fraco e golpeado, com a reação forte, aplicando uma repressão brutal que dificulta nossa atuação e torna difícil e lenta a atividade de massas – cada passo que dermos e objetivo que nos propusemos devem ser estudados com o maior cuidado. Do contrário, arriscamo-nos a sofrer sérias derrotas.
Hoje, devemos procurar, nas áreas urbanas, fortalecer a Organização, onde ela está. Fortalecer significa ampliar e solidificar a infraestrutura, aumentar a potência de fogo e a capacidade técnica, buscar estender essa influência política visando atualmente à organização de elementos e setores de vanguarda. Para atingir este objetivo no movimento de massas, é necessário agir com mais audácia e imaginação na elaboração e realização concreta de novas formas de organização, que sejam adequadas ao momento que atravessamos, ao nível de repressão e do movimento de massas e aos nossos objetivos.
ÁREA RURAL
Se devemos concentrar nossa atividade na área urbana das cidades onde temos atuação, não podemos também deixar de procurar exercer nossa influência tanto quanto for possível nas mais diversas cidades e regiões. O fortalecimento e a expansão da presença da Organização nas áreas urbanas é um passo decisivo para que o trabalho rural se incremente e torna-se o centro de nossas atividades. Neste ano que passou, devido a situação que tínhamos pela frente, foi natural nossas preocupações fundamentais se voltassem para a reorganização e estabilização da existência da ALN nos principais centros urbanos. Entretanto, na medida que conseguimos melhores condições, de tranquilidade e ação, devemos orientar nossos esforços e recursos de forma crescente para as necessidades estratégicas.
Assim, as tarefas são: solidificar e aprofundar nossa presença nas áreas urbanas; intensificar e apoiar de maneira decidida o trabalho rural; estender a penetração e a importância da imprensa revolucionária; atuar de forma fraternal no sentido de estreitar a colaboração entre todas as forças antiditatoriais e anti-imperialistas. São tarefas que exigirão o máximo de nossos esforços para que possam atingir resultados satisfatórios em todas as frentes de trabalho. Audácia, paciência e decisão são qualidades essenciais – que devemos dedicar-nos a aprofundar – para a realização de nossas metas. Audácia na criação de novas formas e métodos de atuação e a organização. Paciência para sabermos avançar no ritmo correto e não nos abatermos com as derrotas e os erros, ou superestimamos as vitórias. Decisão a todo momento, a fim de aproveitar todas as oportunidades que se ofereçam para a obtenção de nossos objetivos.
Este conjunto de tarefas necessita estar cada vez mais firmemente submetido a um planejamento que deve estender-se a todos os níveis. O planejamento é imprescindível para que tenhamos a cada momento o controle da Organização. É fundamental saber de que recursos se dispõe, quais os objetivos a que se propõe e como está se dando sua realização, a fim de efetuar as correções necessárias. Do contrário, à medida que forem se incrementando o volume e a intensidade das tarefas a cumprir, nos perderemos inevitavelmente, desperdiçando recursos e levando maior tempo para alcançar os resultados desejados.
A política de formação de quadros precisa igualmente merecer um maior carinho, deve ser crescente nossa preocupação com ela. Os quadros são o que de mais importante existe na Organização. É deles, da compreensão que tenham de nossos objetivos, da decisão e entusiasmo com que lutam por eles, que, em última instância, depende sua realização.
Assim, de maneira sumária são estas as tarefas que temos pela frente e os obstáculos que nos desafiam. Não são fáceis de serem superados. Ninguém deve iludir-se com soluções rápidas e simples, mas sim preparar-se para um embate feroz e constante para a concretização do que nos propomos. Cometeremos, sem sombra de dúvida, erros; sofremos derrotas – não podemos ignorar estes fatos. Mas temos confiança em que, conseguindo unir a Organização num só esforço de vontade, decisão e vitória, atuando segundo nossa estratégia, alcançaremos o fundamental de nossos objetivos.
* Texto publicado originalmente na edição nº 4 do jornal O Guerrilheiro, órgão central da ALN, com o título original “- Fortalecer a nossa decisão, aprofundar o conhecimento de nossa estratégia – Um Balanço”. Publicamos aqui de forma inédita a versão cedida pela Editorial Adandé e presente no livro “Mini-manual do Guerrilheiro Urbano e textos da ALN” (2021).

domingo, 26 de setembro de 2021

Testamento de camarada * C. Sandino / Sudeste do Brasil

TESTAMENTO DE CAMARADA 


Camaradas, eu sou historiador de formação e ex-professor, e militante social há 43 anos. Já na adolescência me convenci de que a revolução proletária é o único caminho para a libertação da Humanidade e a vida só me reforçou esta convicção. Sim, o processo é bem mais demorado e complicado do que pensei quando era jovem.

Eu esperava que o mundo seguisse pra esquerda e foi o contrário. A primeira derrota maior foi quando a ditadura militar recuou sem ser derrubada em 1985 e o sistema se manteve. A segunda foi quando os setores mais moderados e eleitoreiros conseguiram hegemonizar a esquerda legal por mil manobras. A queda de boa parte do socialismo real em 1989-91 foi a terceira.

Isto desanimou e desmoralizou a maior parte dos revolucionários de minha geração e os empurrou prum reformismo cada vez mais chocho, que abriu novamente caminho a um exterminismo de características neofascistas. As perspectivas num sistema já em colapso irreversível não são boas.

No entanto, nada está perdido, porque a luta de classes é uma guerra mundial e secular. Dentro de nosso planeta, há enormes forças proletárias que sequer começaram a se mobilizar para resistir. Um dia, estas forças esmagarão o inimigo. Não porque saibam teoria, ou porque tenham vontade. Mas porque precisarão fazer isto ou seremos todos mortos por uma burguesia que, com sua nova tecnologia de produção e distribuição, não necessita mais de tantos braços para trabalhar e de tantas bocas para alimentar.

Quem lutar pode morrer, mas quem ficar quieto vai morrer com certeza. Então temos de abandonar toda ilusão de luta pacífica, eleitoral, etc. e focar na construção de uma vanguarda político-militar capaz de organizar a Resistência Proletária no planeta todo. Isto será um processo demorado e difícil, pois cem anos de contrarrevolução liquidaram muito do que foi feito antes. Mas não há outro caminho, mesmo que demore 50 anos pra fazer isso a partir das pequenas frações que restaram. 

As massas não nos escutam, se queixam muitos. Nunca escutaram, ou estaríamos no socialismo já em 1848. A ideologia burguesa sempre é hegemónica e segue sendo antes, durante e até um bom tempo depois de uma revolução. Como estas ocorrem, então, e justamente nos países mais atrasados, com povos mais pobres, ignorantes e reacionários, como mexicanos, russos, chineses, coreanos, vietnamitas, cubanos e outros? Justamente porque o inimigo torna a vida das pessoas tão impossível que uma hora a explosão vem, inevitavelmente, como as ondas do mar.

Os revolucionários não podem criar as ondas, só se preparar e posicionar e surfar nelas o melhor possível. E isto leva tempo e trabalho. Por isso o modelo marxista-leninista de organização segue válido. Nunca fomos a maioria nem precisamos ser. As massas começam lutando por coisas como paz, pão e terra, e quando veem, foram muito além do que pretendiam no começo, e não tem mais volta.

O que faz a diferença crucial é a existência de uma minoria bolchevique dura, experiente e bem liderada no momento da crise, para a direcionar corretamente. A burguesia sabe disso e por isso torna ilegal tudo o que realmente teme que façamos. Não se deve falar do quê na Internet, nunca. Mas os livros contando como foi feito no passado estão aí. E todo mundo pode se reunir em pequenos grupos e estudar e treinar e se aprimorar, pra um dia se unir a outros e poder fazer mais.

A ação direta não é pra agora, porque somos ainda vulneráveis demais. Mas haverá a sua hora e sua vez, pra quem tiver paciência. A guerra popular será bem prolongada, e estamos apenas nos primeiros passos de uma longa marcha. É melhor começar logo, então. 


C. SANDINO

em algum lugar do sudeste do Brasil


sábado, 25 de setembro de 2021

Sobre a Democracia Burguesa e a Ditadura do Proletariado * Vladimir Ilyich Ulianov Lênin

Sobre a Democracia Burguesa e a Ditadura do Proletariado

Vladimir Ilyich Ulianov Lênin

Em tal estado de coisas, a ditadura do proletariado é não só inteiramente legítima como meio de derrubar os exploradores e reprimir a sua resistência, mas também absolutamente necessária para toda a massa dos trabalhadores como única defesa contra a ditadura da burguesia, que conduziu à guerra e prepara novas guerras.

A coisa principal que os socialistas não compreendem, e que constitui a sua miopia teórica que os torna prisioneiros dos preconceitos burgueses, que constitui a sua traição política em relação ao proletariado, é que na sociedade capitalista, quando há uma agudização algo séria da luta de classes que está na sua base, não pode haver meio termo, nada que não seja a ditadura da burguesia ou a ditadura do proletariado. Qualquer sonho com uma terceira via é uma lamentação reacionária de pequeno burguês. Testemunham-no tanto a experiência de mais de cem anos de desenvolvimento da democracia burguesa e do movimento operário em todos os países avançados como, particularmente, a experiência dos últimos cinco anos. Diz também toda a ciência da economia política, todo o conteúdo do marxismo, que explica a inevitabilidade econômica em qualquer economia mercantil da ditadura da burguesia, que só pode ser substituída pela classe desenvolvida, multiplicada, unida e fortalecida pelo próprio desenvolvimento do capitalismo, isto é, a classe dos proletários.

Outro erro teórico e político dos socialistas consiste na incompreensão de que as formas da democracia se modificaram inevitavelmente ao longo dos séculos, a partir dos seus germes na antiguidade, à medida que uma classe dominante ia sendo substituída por outra. Nas antigas repúblicas da Grécia, nas cidades da Idade Média, nos países capitalistas avançados, a democracia tem diferentes formas e um diferente grau de aplicação. Seria o maior absurdo pensar que a revolução mais profunda da história da humanidade, a passagem pela primeira vez no mundo do poder da minoria dos exploradores para a maioria dos explorados, possa verificar-se dentro dos velhos limites da velha democracia burguesa, parlamentar, possa verificar-se sem as mudanças mais radicais, sem a criação de novas formas de democracia, de novas instituições que encarnem as novas condições da sua aplicação, etc.

O que há de semelhante entre a ditadura do proletariado e a ditadura das outras classes é que ela é provocada, como qualquer outra ditadura, pela necessidade de reprimir pela força a resistência da classe que perde a dominação política. A diferença fundamental entre a ditadura do proletariado e a ditadura das outras classes — a ditadura dos latifundiários na Idade Média, a ditadura da burguesia em todos os países capitalistas civilizados — consiste em que a ditadura dos latifundiários e da burguesia foi a repressão pela violência da resistência da imensa maioria da população, isto é, os trabalhadores. A ditadura do proletariado, pelo contrário, é a repressão violenta da resistência dos exploradores, isto é, uma ínfima minoria da população, os latifundiários e os capitalistas.

Daqui decorre, por sua vez, que a ditadura do proletariado deve inevitavelmente trazer consigo não só a modificação das formas e das instituições da democracia, falando em geral, mas precisamente uma sua modificação que possibilite um alargamento nunca visto no mundo da utilização efetiva da democracia por parte dos oprimidos pelo capitalismo, por parte das classes trabalhadoras.

E, com efeito, essa forma da ditadura do proletariado, que foi já elaborada de facto, isto é, o Poder Soviético na Rússia, o Räte-System¹ na Alemanha, os Shop Stewards Committees² e outras instituições soviéticas análogas noutros países, todas elas significam e realizam precisamente para as classes trabalhadoras, isto é, para a imensa maioria da população, uma possibilidade efetiva de gozar os direitos e as liberdades democráticas como nunca existiu, nem mesmo aproximadamente, nas melhores e mais democráticas repúblicas burguesas.

A essência do Poder Soviético consiste em que a base permanente e única de todo o poder de Estado, de todo o aparelho do Estado, é a organização maciça precisamente das classes que eram oprimidas pelo capitalismo, isto é, dos operários e dos semiproletários (camponeses que não exploram trabalho alheio e que recorrem permanentemente à venda, ainda que apenas em parte, da sua força de trabalho). Precisamente as massas que, mesmo nas repúblicas burguesas mais democráticas, sendo iguais em direitos perante a lei, eram de fato afastadas, por mil processos e subterfúgios, da participação na vida política e do gozo dos direitos e liberdades democráticas, são hoje chamadas à participação permanente e necessária, e além disso decisiva, na direção democrática do Estado.

A igualdade dos cidadãos independentemente do sexo, religião, raça, nacionalidade, que a democracia burguesa prometeu em toda a parte e sempre, mas que não realizou em parte alguma nem podia realizar devido à dominação do capitalismo, realiza-a imediata e plenamente o Poder Soviético, ou ditadura do proletariado, pois só está em condições de o fazer o poder dos operários, que não estão interessados na propriedade privada dos meios de produção nem na luta para os repartir uma e outra vez.

A velha democracia, isto é, a democracia burguesa, e o parlamentarismo foram organizados de modo a afastar, mais que ninguém, precisamente as massas dos trabalhadores do aparelho de administração. O Poder Soviético, isto é, a ditadura do proletariado, está organizado, pelo contrário, de modo a aproximar as massas dos trabalhadores do aparelho de administração. Tal é igualmente o objetivo da união dos poderes legislativo e executivo na organização soviética do Estado e da substituição dos círculos eleitorais territoriais pelas unidades de produção, como as fábricas.

O exército não foi um aparelho de repressão apenas nas monarquias. Continua a sê-lo também em todas as repúblicas burguesas, mesmo nas mais democráticas. Só o Poder Soviético, como organização estatal permanente precisamente das classes que eram oprimidas pelo capitalismo, está em condições de destruir a subordinação do exército ao comando burguês e de fundir efetivamente o proletariado com o exército, de realizar efetivamente o armamento do proletariado e o desarmamento da burguesia, sem o que é impossível a vitória do socialismo.

* Trecho das Teses e Relatório Sobre a Democracia Burguesa e a Ditadura do Proletariado (I Congresso da Internacional Comunista, 2-6 de Março de 1919)

¹Sistema de Conselhos Operários

²Comités de Delegados de Fábrica que existiram na Grã-Bretanha

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Chamamento ao Povo Brasileiro * Carlos Marighella / BA

Chamamento ao Povo Brasileiro


Carlos Marighella / BA
Dezembro de 1968
-Documento para reflexão dos camaradas do PCTB-


Primeira Edição: Revista Marcha, de 07 de Fevereiro de 1968.

De algum lugar do Brasil me dirijo à opinião pública, especialmente aos operários, agricultores pobres, estudantes, professores, jornalistas e intelectuais, padres e bispos, aos jovens e à mulher brasileira.

Os militares tomaram o poder pela violência em 1964 e foram eles mesmos que abriram o caminho à subversão. Não se podem queixar nem ficar assombrados de que os patriotas trabalhem para desalojá-los dos postos de mando que usurparam descaradamente.

Afinal, que classe de ordem querem preservar os "gorilas"? Os assassinatos de estudantes na praça pública? Os fuzilamentos do "Esquadrão da Morte"? As torturas e espancamentos no DOPS e nos quartéis militares?

O governo desnacionalizou o país, entregando-o aos Estados Unidos, o pior inimigo do povo brasileiro; os norte-americanos são os donos das maiores extensões de terra do Brasil, têm em suas mãos uma grande parte da Amazônia e de nossas riquezas minerais, incluindo minerais atômicos.

Possuem bases de foguetes em pontos estratégicos de nosso território. Os agentes de espionagem norte-americanos da CIA, estão dentro do país como se estivessem em sua própria casa, orientando a polícia em caçadas humanas aos patriotas brasileiros, e assessorando o governo na repressão ao povo.

O acordo MEC/USAID ( acordo entre o Ministério da Educação e Cultura e a USAID norte-americana) vem sendo poso em prática pela ditadura, com o propósito de aplicar em nosso país o sistema norte-americano de ensino e de transformar nossa universidade numa instituição de capital privado, onde somente os ricos possam estudar. Enquanto isso, não há vagas e os estudantes são obrigados a enfrentar as balas da polícia militar, disputando com o sangue o direito de estudar.

Para os operários, o que existe é o arrocho salarial e o desemprego. Para os camponeses, os despejos, a ocupação ilegal de terras, os arrendamentos usurários. Para os nordestinos, a fome, a miséria e a doença.

Não existe liberdade no País. A censura é exercida para coibir a atividade intelectual.

A perseguição religiosa cresce dia a dia, os sacerdotes são presos e expulsos do País, os bispos agredidos e ameaçados.

A inflação segue desenfreada. Há demasiado dinheiro em poder dos grandes capitalistas, enquanto é cada dia escasso nas mãos dos trabalhadores. Nunca pagamos tão caro os aluguéis e os artigos de primeira necessidade, com salários tão baixos e cada vez mais reduzidos.

A corrupção campeia o governo. Não é de se estranhar que os maiores corruptos do país sejam ministros e oficiais das forças armadas. Membros do governo vivem como príncipes, praticando o contrabando e o roubo. Entretanto, os empregados públicos não recebem mais que um miserável 20% de aumento.

Diante da escandalosa avalanche de mentiras e acusações terrivelmente injuriosas lançadas contra mim, não tenho outra atitude a tomar senão a de responde à bala ao governo e às suas asquerosas forças policiais, empenhadas em minha captura, vivo ou morto.

Agora não será como em 1964, quando eu estava desarmado e a polícia disparou sem que pudesse pagar com a mesma moeda.

As organizações ultradireitistas assaltam, atiram bombas, matam, seqüestram. Contudo, ninguém tem conhecimento de que o governo esteja perseguido sequer um dos assaltantes ou terroristas do CCC (Comando de Caça aos Comunistas).

A ditadura diz que existe um plano subversivo e uma conspiração de políticos, provados e seus direitos, para derrubar o governo. E fazendo uma caçada às bruxas, procura encarniçadamente o comando da subversão. Porém, o comando da subversão está no descontentamento popular, pois ninguém pode aguentar mais tal governo.

O movimento que produz tanto pavor nos "gorilas" surge de baixo para cima. Não vem dos políticos provados de seus direitos, mas sim das entranhas de um povo descontente, decidido agora e recorrer à força das massas para sua unidade e organização.

Não derrubaremos a ditadura através de quarteladas, nem de eleições, redemocratizações ou outras panacéias da oposição burguesa consentida.

Não acreditamos num parlamento conformado e submisso, mantido com o beneplácito da ditadura e disposto a ceder em tudo para que os deputados e senadores possam sobreviver com seus subsídios.

Não cremso na solução pacífica. As condições para violência nada têm de artificiais e estão criadas no Brasil desde que a ditadura se impôs pela força.

Violência contra violência. E a única saída é fazer o que estamos fazendo: utilizar violência contra os que tiveram a primazia em usá-la para prejudicar os interesses da pátria e das massas populares.

Os "gorilas" pensam que a morte de Che na Bolívia significou o fim da guerrilha. Ao contrário, inspirados no desprendido exemplo do Guerrilheiro Heróico, prosseguimos no Brasil sua luta patriótica, trabalhando junto a nosso povo com a certeza na mente e a história a nosso favor.

O que acontece em nosso país é um vasto movimento de resistência contra a ditadura. E, de dentro dele, irromperam as operações e táticas guerrilheiras. E aceitando o honroso título de "inimigo público número um: que me foi outorgado pelo governo "gorila", assumo a responsabilidade pela irrupção de tais operações e táticas guerrilheiras.

Quem desencadeará os ataques vindouros, onde, como e quando serão desencadeados? Isto é um segredo da guerrilha que o inimigo em vão tentará saber.

A iniciativa revolucionária está em nossas mãos. Já passamos à ação.

Nada mais vamos esperar.

Os "gorilas ficarão num labirinto escuro até que sejam obrigados a transformar a situação política numa situação militar.

Ao desencadear a revolução popular, utilizando táticas guerrilheiras, temos como objetivo organizar a guerra justa e necessária total do povo brasileiro contra seus inimigos. A guerra revolucionária no Brasil é uma guerra longa e não uma conspiração.

Sua história já se escreve com o sangue dos estudantes nas ruas e nas prisões, onde os patriotas são torturados e aniquilados; na ação dos sacerdotes perseguidos, nas greves dos operários, na repressão aos camponeses, nas lutas das áreas rurais e dos grandes centros urbanos, envolvidos na violência.

O destino das guerrilhas está nas mãos dos grupos revolucionários e na aceitação, apoio, simpatia e participação direta ou indireta de todo o povo. Para isso, os grupos revolucionários devem unir-se na ação de baixo para cima.

Os revolucionários de todos os matizes e de qualquer filiação partidária, onde quer que se encontrem, devem prosseguir na luta e criar pontos de apoio para a guerrilha. Uma vez que o dever de todo revolucionário é fazer a revolução, não pedimos permissão a ninguém para praticar atos revolucionários e somente temos compromissos com a revolução.

A experiência recente das lutas de nosso povo demonstra que o Brasil entrou numa fase de táticas guerrilheiras e ações armadas de todos os tipos, ataques de surpresa e emboscadas, captura de armas, atos de protesto e sabotagem. Manifestações de massa, comícios-relêmpago, manifestações estudantis, greves, ocupações, seqüestro de policiais e "gorilas" para trocá-los por presos políticos.

O princípio tático que devemos seguir agora é distribuir as forças revolucionárias para intensificar essas formas de luta. Mais adiante deveremos concentrar as forças revolucionárias para organizar planos e manobras.

Na área rural ou urbana, dentro dos caminhos a serem escolhidos pelos revolucionários, existem três grandes opções: atuar na frente guerrilheira, na frente de massas ou na rede de sustentação.

Em qualquer uma destas frentes, é necessário que o trabalho seja clandestino, é preciso organizar grupos secretos, manter a vigilância contra infiltração policial, castigar com a morte os delatores, espiões e batedores, não deixando filtrar nenhuma informação ao inimigo.

Seja qual for a situação, é necessário ter armas e munições, aumentar a potência de fogo dos revolucionários e utilizá-la cm acerto, decisão e rapidez, inclusive em pequenas ações como a distribuição de panfletos e pichações de muros.

Entre algumas das medidas populares previstas para serem executadas de forma inapelável, com a vitória da revolução, executaremos as seguintes:
aboliremos os privilégios e a censura;
estabeleceremos a liberdade de criação e a liberdade religiosa;
libertaremos todos os presos políticos e os condenados pela atual ditadura;
eliminaremos a polícia, o SNI (Serviço Nacional de Informação), o Cenimar (Centro de Informações da Marinha) e os demais órgãos da repressão policial;
depois de julgamento público sumário, executaremos os agentes da CIA encontrados no país, e os agentes policiais responsáveis por torturas, espancamentos , tiros e fuzilamentos de presos;
expulsaremos os norte-americanos do país e confiscaremos suas propriedades, incluindo as empresas, bancos e terras;
confiscaremos as empresas de capital privado nacional que colaboraram com os norte-americanos e que se opuseram à revolução;
tornaremos efetivo o monopólio estatal das finanças, comércio exterior, riquezas minerais, comunicações e serviços fundamentais;
confiscaremos a propriedade latifundiária, terminando com o monopólio da terra, garantindo títulos de propriedade aos agricultores que trabalhem a terra, extinguindo as formas de exploração como a meia, a terça, os arrendamentos, o foro, o vale, o barracão (escravidão agrária), os despejos e a ação dos grileiros, e castigando todos os responsáveis por crimes contra camponeses;
confiscaremos todas as fortunas ilícitas dos grandes capitalistas e exploradores do povo;
eliminaremos a corrupção;
serão garantidos empregos a todos os trabalhadores e às mulheres, terminando com o desemprego e o sub-emprego e aplicando o lema "de cada um segundo de sua capacidade, a cada um segundo do seu trabalho";
extinguiremos a atual legislação do inquilinato, eliminando o acordo e reduzindo o aluguéis, para proteger os interesses dos inquilinos, assim como criaremos condições materiais para a aquisição de casa própria;
reformaremos todo o sistema de educação, eliminando o acordo MEC-USAID e qualquer outro vestígio da intromissão norte-americana, para dar ao ensino brasileiro o sentido exigido pelas necessidades da libertação de nosso povo e seu desenvolvimento independente;
daremos expansão à pesquisa científica;
retiraremos o Brasil da condição de satélite da política exterior norte-americana para que sejamos independentes, seguindo uma linha de nítido apoio aos povos subdesenvolvidos e à luta contra o colonialismo.

Todas essa medidas serão sustentadas pela aliança armada de operários, camponeses e estudantes, de onde surgirá o exército revolucionário de libertação nacional, do qual a guerrilha é o embrião.

Estamos nos umbrais de uma nova época no Brasil, que marcará a transformação radical de nossa sociedade e a valorização da mulher e do homem brasileiros.

Lutaremos para conquistar o poder e pela substituição do aparelho burocrático e militar do estado pelo povo armado. O governo popular-revolucionário será o grande objetivo de nossa estratégia.

Ódio e morte aos imperialistas norte-americanos!

Abaixo a ditadura militar!
Carlos Marighella
Brasil, Dezembro 1968

sábado, 18 de setembro de 2021

Capitão do povo, Lamarca, para sempre presente! * ISA JINKINGS

Capitão do povo, Lamarca, para sempre presente!


 Há 49 anos, em 17 de setembro de 1971

CARLOS LAMARCA ERA

ASSASSINADO NO SERTÃO BAIANO


Carioca do Morro de São Carlos, no Estácio, filho de sapateiro, capitão do Exército, que se uniu à esquerda contra a ditadura militar, revolucionário, patriota que entregou a vida por um Brasil independente, lutador pela democracia e o socialismo.


Abaixo, carta dele aos filhos.   Lamarca, obrigado à clandestinidade no Brasil; e os filhos, para estarem livres das atrocidades da ditadura militar, se encontravam em Cuba.


Sim, a ditadura militar torturava filhos de militantes políticos e buscava assim chantagear os pais.


Lamarca (1937-1971) tinha 33 anos ao ser assassinado.


CARTA DE LAMARCA AOS FILHOS 


"Aos Meus Filhos


Vivo falando de vocês com meus companheiros, eles estão longe dos filhos também e falam nos filhos deles. Um só é o desejo de todos nós, é que nossos filhos sejam revolucionários. O que é um revolucionário? É toda a pessoa que ama todos os povos, ama a Humanidade, tem uma imensa capacidade de amar, ama a justiça, a Igualdade. Mas ele tem de odiar também, odiar os que impedem que o revolucionário ame, porque é uma necessidade amar. Odiar aos que odeiam o povo, a Humanidade, a Justiça social. Odiar aos que dominam e exploram o povo, odiar aos que corrompem, ameaçam e alienam as mentes, aos que degradam a Humanidade, aos injustos, falsos, demagogos, covardes.


O revolucionário ama a Paz, faz a guerra como instrumento para ter a Paz, a Paz justa, sem exploração do homem pelo homem. O revolucionário tem que ser capaz de todos os sacrifícios pela causa, de até se separar dos seus filhos para libertar todos os filhos, de se separar dos pais porque outros pais precisam dele. Quando vocês sentirem saudades de mim, lembrem-se que aqui no Brasil existem muitas crianças que passam fome, que andam descalças, sem escolas, que sofrem e veem seus pais sofrerem. Lembram-se quando conversei com vocês no quarto e pedi a vocês que deixassem eu lutar para acabar com isso. Eu lembro bem que a Claudinha bateu palmas e o Cesar disse: 'Muito bem, papai'. Combinamos que tínhamos de ficar longe um do outro, e que guardaríamos no coração a esperança de nos encontrarmos novamente.


Vocês são felizes porque a mãe e o pai são revolucionários e vocês têm de ser também. Amem muito a mamãe, eu não posso beijá-la, todos os dias beijem duas vezes a ela, uma vez por mim. Tenho tantas saudades de vocês, mas não choro, não beijo fotografias, encho o peito de ar e pego firme no meu trabalho. Penso em vocês e em todas as crianças, então ganho forças para lutar. Quando sentirem saudades, então estudem mais, perguntem tudo que não entenderem, perguntem sempre o porquê das coisas - perguntar e pensar - ver se é certo, se não for, falem, discutam - ver se é justo, se não for, lutem para mudar. Sejam disciplinados, façam somente o que for certo, justo. Ser disciplinado não é ser obediente, quem obedece tudo sem pensar não presta.


Como vai o treinamento de tiro? Não se esqueçam de colocar algodão no ouvido, e também de olhar sempre pra mira e puxar o gatilho bem devagar. Já mandaram consertar a pistola de ar comprimido? Espero que pratiquem corrida, natação e todos os jogos. Alimentem-se bem, vocês que tanto gostam de frutas devem estar satisfeitos, aí ninguém passa fome, não tem mendigos, aqui... Aí comem abacate na salada, com sal e azeite; gostaram?


Como vai o jogo de botão? Você, Cesar, tem ensinado aos meninos? Seguem junto 29 bolinhas de cortiça, que fiz treinando a paciência, que eu tinha pouco, é preciso ser paciente, sem ser passivo, claro.


E você Claudinha, continua fazendo discursos? Como eu gostava, você vai ser uma grande agitadora.


Cuidem bem dos dentes para que possam mastigar bem. Não se esqueçam de cantar e dançar. O Cesar gosta muito de desenhar e a Claudia de pintar, procurem praticar bastante, procurem criar, não imitem ninguém.


Não chamem ninguém de senhor porque ninguém é senhor de ninguém. Mas ouçam os mais velhos e procurem fazer coisas melhor que eles, porque tudo que é novo é superior ao velho. Respeitem os mais velhos mas exijam que respeitem vocês - exijam mesmo.


Contei para os companheiros que o Cesinha usava nome de guerra e eles acharam engraçado. Já usei o nome Cesar mas tive de mudar.


Não sei como acabar essa carta porque é como se estivesse conversando com vocês. Espero receber uma carta de vocês, se não for possível, continuarei pensando muito em vocês.


A maior alegria que vocês podem me dar é aproveitar muito o estudo, preparando-se para fazer a Revolução em qualquer país. Muitos beijos para a minha esposa querida e meus filhos, com todo amor, cheio de saudades".


Isa Jinkings 

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LAMARCA FILME

Lamarca (1994) - YouTube

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