segunda-feira, 24 de julho de 2023

O genocídio palestino e uma estranha “esquerda” * Berenice Bento/DF

O genocídio palestino e uma estranha “esquerda”
Berenice Bento

Em 2021, 100 crianças palestinas foram mortas, e nenhuma israelense. Mas “sionistas de esquerda” sugerem que “dor das mães é equivalente”. Esgrimam discurso humanista para minimizar o massacre, mas não resistem à lógica e aos fatos.

No dia 31 de janeiro de 2022, foi publicado o artigo “Somos judeus de esquerda”,[i] texto assinado por seis sionistas e que tinha como objetivo “tentar restabelecer a verdade e a justiça” em relação à questão palestino-israelense. Vejamos quais “verdades” e “justiça” são mobilizadas pelos autores.

A construção da falsa simetria

O texto “Somos judeus de esquerda” diz: “Dói ver nossas lideranças condenando o bombardeio de Gaza por solidariedade aos familiares das vítimas palestinas, sem uma palavra sequer sobre as famílias israelenses (…)”.


A urdidura do texto sugere que há uma simetria de dores e perdas entre israelenses e palestinos.

O mesmo artigo traz ainda: “Para qualquer mãe a morte de um filho é uma perda irreparável, seja ela israelense ou palestina. A dor no peito é a mesma”. Não há dúvidas de que a dor das mães e familiares é imensa. Insuportável. Concordamos. São vidas que merecem ser pranteadas, enlutadas. Mas qual o truque retórico aqui? Cito uma passagem do artigo do historiador Sayid Marcos Tenório, “Israel e o genocídio silencioso de crianças palestinas”:

“Durante o massivo ataque de “Israel” contra Gaza […] foram 2.200 palestinos mortos, entre eles 550 crianças, 70% delas com menos de 12 anos de idade, e foi responsável por mais de 11.000 feridos, sendo 3.358 crianças, e por mais de 100 mil deslocados durante os atentados daquele ano, segundo o relatório anual do Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) da ONU. Do lado do agressor israelense, 73 pessoas morreram, incluindo 67 soldados[ii].”

Uma conta simples. Em 2014, 2200 palestinos mortos e 73 israelenses. Ou seja, a vida de um israelense vale 30 vezes mais que a vida de um palestino. Ao não dizer nada sobre a desproporcionalidade da força militar dos dois lados, o texto nos leva para o mundo da ilusão, segundo a qual as necropolíticas do colonizador e a resistência do povo colonizado têm a mesma densidade ética. A demanda pela distribuição igual do luto é um truque para esconder o genocídio. Vejam o gráfico abaixo (publicado no artigo de Sayid Marcos Tenório). Podemos ver os números de crianças palestinas (em vermelho) e israelenses (em azul) mortas entre 2000 e 2021.

No último massacre, em maio de 2021, quase 100 crianças palestinas foram assassinadas. E quantas israelenses? Nenhuma. A farsa da simetria me faz lembrar de uma fala do Cabo Anselmo, espião da ditadura militar dentro da esquerda. Em uma das entrevistas, perguntado se ele não sentia nenhum tipo de dilema ético por ter sido o responsável pela Chacina da Granja de São Bento, em 1973, que vitimou seis pessoas, entre elas sua namorada grávida, a Soledad Barrett, ele respondeu: “era uma guerra.”

Não era uma guerra. Era uma ditadura atroz e o que fazíamos era, com nossos parcos recursos, lutar pela democracia e pela vida. Não há guerra entre Palestina e Israel. Há genocídio. Quem perde as terras são os palestinos. Quem é humilhado e executado nos checkpoints são os palestinos. Quem são os apátridas?

Israel é o único lugar do mundo em que crianças são presas e julgadas por tribunais militares sob a acusação frequente de atirarem pedras em soldados israelenses.

Eu me pergunto se homens que assinaram o texto já serviram às suas forças armadas de Israel. Se sim, gostaria de saber mais sobre suas biografias, se eles têm sangue palestino em suas almas, se Lady Macbeth os visita em seus pesadelos (se tiverem pesadelos).

Dizem: “os dois povos têm razão e, assim sendo, não há solução satisfatória. Por isso, as concessões precisam ser imensas, mexendo em sentimentos profundos de injustiça”. Repito: os dois povos têm razão. Os dois precisam fazer concessão. O que eles querem mais do povo palestino? 
Não basta? Continua...
ANEXOS
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