quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Afeganistão: outro olhar * Ernesto Germano Parés / RJ

  AFEGANISTÃO: OUTRO OLHAR

Ernesto Germano Parés / RJ

Vou tentar ser breve, sem ficar repetindo o alarmismo da grande imprensa internacional. Informo, também, que não pactuo com uma parte da esquerda “maluca” que comemora o talibã apenas porque foi uma derrota dos EUA. Sinceramente, desde 2001 eu escrevo pequenos artigos mostrando que o problema no Afeganistão é muito mais complexo do que se fala. E vou tentar resumir meus artigos passados.

 

1) Antes de debater o que ocorre agora no Afeganistão, precisamos voltar no tempo: 1979. Para quem esqueceu ou não acompanhou, o país tinha um governo de esquerda, muito próximo da União Soviética (que ainda existia). Na época, o presidente estadunidense era o Jimmy Carter, do Partido Democrata, que criou um plano para lutar contra a URSS. Treinou e armou os “jihadistas” para combater as tropas soviéticas. Quem já esqueceu que Bin Laden foi treinado e financiado pelos EUA e era amigo de Carter e da família Bush?

 

2) Sabemos, também, que a CIA investiu nada menos do que 2 bilhões de dólares nesse projeto e criou a conhecida “Al Qaeda” (1988), que depois se tornou inimiga dos EUA! Tem um filme ridículo, Rambo III, que no final diz que é dedicado aos “heroicos membros do Taliban que lutaram pela liberdade”.

 


3) Em 1989, Gorbachev, já esgotado com a guerra e sem orçamento, retirou as tropas soviéticas do Afeganistão (pouco depois a União Soviética desaparecia) e os EUA comemoravam a vitória dos “jihadistas”.

 

4) É então que começa a disputa. Durante algum tempo a Al Qaeda fez o “trabalho sujo” para os EUA, não só no Afeganistão, mas, depois, na Iugoslávia. E quando Gorbachev se retirou do Afeganistão e a URSS desapareceu, o grupo jihadista mais organizado era o Talibã e eles tomaram o poder, não a Al Qaeda!

 

5) Bush e Bin Laden realizaram vários trabalhos juntos, pelo mundo. O filme de Michael More, Fahrenheit 9/11, mostra isso.

 

6) Mais ou menos, em meados dos anos 1990 começa o interesse econômico e geoestratégico dos EUA na região. Não era mais uma questão de enfrentar os soviéticos. E o Taleban era considerado um possível grande aliado, segundo a CIA. Não importavam as atrocidades cometidas por eles (principalmente contra mulheres), o importante era ter uma saída para o petróleo e o gás sauditas! E a CIA acreditava que o grupo poderia “evoluir” como os sauditas! Mas o Talibã deixou de cumprir com o desejado e não conseguiu tomar conta de todo o Afeganistão para fazer o oleoduto/gasoduto desejado pelos EUA. O outro grupo radical agindo no país era a chamada “Aliança do Norte”, lembram? Mas eles não aceitaram o plano.

 

7) É então que acontece a grande oportunidade estadunidense: o ataque às torres gêmeas! Foi a “justificativa” para o Pentágono montar toda a operação de guerra e invadir o Afeganistão, em 2001! Ou seja, não tinha nada com Bin Laden, mas com os interesses geoestratégicos na região (proximidade com China e Rússia).

 

Campos de papoula


8) A verdade é que o custo para manter a ocupação do Afeganistão era muito alto e estava desgastando o governo estadunidense. O troglodita Trump não se incomodava com isso, mas Biden tinha assumido compromissos e resolve retirar totalmente as tropas de lá. Ainda hoje vi uma entrevista dele em um jornal espanhol dizendo que “não esperava que o país desmoronasse tão rapidamente e que o Taliban encontrasse tanta facilidade para tomar o poder”.

 

Mas há outro aspecto que nos obriga a voltar um pouco na história, mais uma vez. É preciso lembrar que, em abril de 1978 o Partido Democrático Popular do Afeganistão, de esquerda, toma o poder através de uma revolução popular. No idioma persa, o nome do segundo mês do calendário (diferente do nosso) é “saur”. Daí a revolução ter ficado conhecida como “Revolução do Saur” (que aconteceu em abril).

 

Algumas histórias são pouco conhecidas, mas sabemos que a monarquia que havia se instalado no país em 1926 foi derrubada, mas teve início um governo de “partido único”. Depois de uma revolução que teria acontecido porque um dos líderes do grupo político Parcham, aliado PDPA foi assassinado. O governo divulgou um comunicado “lamentando” o caso, mas havia um pensamento comum de que teria sido comandado por membros da monarquia no poder.

 

Mais campos de papoula


Houve um grande protesto e os líderes do PDPA foram presos. A história nos diz que membros do próprio exército do governo existente comandaram a revolta que levou os socialistas ao poder.

 

O PDPA, composto de dois grupos (Khald e Parcham) chega ao poder e implementa uma agenda chamada de “comunista”. Proclamou o Estado Laico e ateu, proibiu os lucros bancários, defendeu direitos das mulheres e decretaram a igualdade entre os sexos (mulheres entraram para as faculdades, para a vida política e para o trabalho).

 

O FDPA proibiu a plantação da papoula em todo o país e combateu a produção de ópio, uma das grandes riquezas da região (desde a chamada “Guerra do Ópio”).

 

Isso incomodou uma maioria de afegãos, majoritariamente muçulmanos, se a situação se acirrou ainda mais depois da aliança com a União Soviética. Financiados pelos EUA, começam a crescer os grupos radicais religiosos. E é nesse momento que começam a financiar e treinar grupos como a Al-Qaeda e os Talibãs.

 

Grandes proprietários de terras, plantadores de papoulas, sentiram-se prejudicados com o governo de esquerda e começam a acirrar o fundamentalismo religioso, jogando os trabalhadores rurais contra as mudanças implementadas.

 

Na verdade, desejavam impedir a Reforma Agrária já iniciada pelo governo e começam a fortalecer os grupos de onde se originam, mais tarde, os Mujahidins (de onde se originam Al-Qaeda e Talibãs). E quando os Talibãs afastam o governo socialista irão manter a proibição das plantações da papoula.

 

Com a invasão dos EUA em 2001, sob a desculpa do ataque às Torres Gêmeas, a agricultura da papoula, que fora praticamente erradicada pelo Talibã, voltou a florescer no Afeganistão.

 

É de se presumir que o cultivo tenha sido retomado nas terras dos grandes proprietários rurais, anteriormente opositores à Revolução de Saur, ocorrida em 1978 e determinante para o processo histórico posterior.

 


Para responder à pergunta “como agir, agora” é preciso saber como vão se portar os Talibãs no poder. Vão voltar a proibir a plantação de papoulas e a produção de ópio? Isso vai causar um novo “reboliço” o tráfico internacional de narcóticos!

 

Portanto, os interesses econômicos na região (ópio e petróleo/gás) vão voltar a dominar o cenário!

 

E tudo o que a imprensa fala hoje, de perseguição às mulheres, violência, fundamentalismo islâmico e outras coisas me parece apenas “poeira nos olhos” para não vermos o principal: a volta da produção do ópio em larga escala (não esquecer que os EUA são o maior consumidor mundial) e a questão política e geoestratégica em uma época que a disputa econômica com Rússia e China é grande.

 

Só para terminar, no que estudei de história, o “fundamentalismo” surgiu nos EUA quando os protestantes exigiam uma interpretação literal da Bíblia. Isso no início do Sec. XX. Se formos ainda mais longe, quase todos os países iniciam suas leis e suas constituições com o termo “sob a proteção de deus”. Estou errado? Isso é fundamentalismo, literalmente...

 

SOBRE AS FOTOS

Nas imagens: 01 e 02) durante o regime comunista, jovens iam às universidades com a roupa que desejassem; 03 e 04) plantações de papoulas quando derrubaram o governo democrático; 05) mapa mostrando a importância estratégica do Afeganistão.

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