segunda-feira, 31 de julho de 2023

Brasil – A face da reprimarização * Márcio Pochmann/SP

Brasil – A face da reprimarização
Márcio Pochmann/SP

A desindustrialização mudou o perfil demográfico do país. Sem oportunidades, 2,4% dos brasileiros estão no exterior. A população sai das metrópoles e incha as cidades médias, impulsionadas pelos serviços rurais e que constituem sua base sociopolítica.

O Brasil do primeiro quartel do século XXI é profundamente diferente daquele que existia antes da entrada na globalização, nos anos 1990. Em suma, a nação cedeu.

Segundo o Fundo Monetário Internacional, a participação do Brasil no PIB mundial (a preços correntes e paridade do poder de compra) passou de 4,3% em 1980 para 1,7% em 2022. De sexta maior economia do mundo, caiu para nona no mundo.

Segundo as Nações Unidas, a participação do Brasil na população mundial caiu de 2,7% em 1980 para 2,5% em 2022. De quinto país mais populoso, caiu para sétimo. Se essa trajetória demográfica continuar, o Brasil pode deixar de estar entre os dez países mais populosos do mundo até o final do século XXI.

Considerando as informações do Censo 2022, destacam-se três grandes mudanças identificadas no Brasil desde o início do século XXI.

A primeira refere-se à longa estagnação da renda per capita nacional, que acabou impactando direta e indiretamente as decisões dos brasileiros, especialmente no que diz respeito à trajetória da taxa de natalidade. A aceleração da queda dos nascimentos em relação ao total da população foi decisiva para que a transição demográfica se aprofundasse muito rapidamente.Assim, o Brasil, que tinha uma história de forte crescimento demográfico, inverteu o rumo no início do século XXI. Se a política demográfica não for modificada, por exemplo, a população do país ficará estável e poderá até diminuir em termos absolutos, enquanto no século XX o número de brasileiros multiplicou por dez e no século XIX por cinco.

A segunda grande mudança é o processo inédito de desmetropolização da população, com a passagem do sistema industrial, outrora complexo, diversificado e regionalmente integrado, para o modelo econômico primário-exportador, acompanhado da desindustrialização nacional.

Em 2022, por exemplo, o conjunto das grandes cidades com 500 mil ou mais habitantes reduziu sua participação relativa na população total para 29%.

Em 2010, as metrópoles brasileiras representavam 29,3% da população total, bem acima dos 27,6% em 2000. Por outro lado, o grupo de cidades médias com 100.000 a 500.000 habitantes aumentou sua presença relativa na população total para 28%, de 25,4% em 2010 e 23,2% em 2000.

Note-se que as regiões metropolitanas, localizadas em sua maioria no litoral do país, exerceram forte papel central no avanço da industrialização nacional até a década de 1980. Hoje, após o longo caminho da desindustrialização, as bases da moderna sociedade urbana e industrial estão em ruínas, e as metrópoles do país concentram os acúmulos de pobreza, desemprego e violência.

Uma verdadeira síntese da face do Brasil forjada pelo novo sistema violento para dominar pelo fanatismo religioso e banditismo social as multidões de sobrados sem rumo que perambulam pelas periferias dos centros urbanos desmetropolizados. Por outro lado, a modernidade avança na forma de enclaves econômicos cada vez mais conectados ao mundo exterior por meio do turismo e, sobretudo, do agrarianismo exportador.

Nesse contexto de enriquecimento internalizado nas cidades médias, que crescem em ritmo "chinês", a fuga da riqueza atrai um crescente e variado segmento de ocupações "servis", essenciais para a reprodução do modelo consumista copiado do american way of life e situado no "teto aberto" da sociedade brasileira . Assim, a restrita dinâmica do emprego na atividade econômica primário-exportadora acaba sendo "compensada" pela difusão de serviços que servem à reprodução dos novos ricos do país.

Por último, mas não menos importante, os múltiplos impactos decorrentes da inserção da população brasileira na Era Digital – em grande medida, o afastamento dos atuais padrões tributários e federalistas, típicos do passado da sociedade industrial que ficou para trás. Nesse sentido, a diminuição da população e seu deslocamento geográfico no território nacional revelam a reconfiguração social do país.

A nova cara do Brasil impacta direta e indiretamente os municípios, principalmente os que saem perdendo e os que convivem com a estagnação de seus habitantes. Na Era Digital, o motor do negócio já não assenta na exclusividade do dinamismo tradicional exercido pela ocupação exercida fora do local de residência.

Incapaz de oferecer condições dignas de vida e trabalho, o país passou a conviver com a diáspora inédita de brasileiros que emigraram para outros países. Em 2022, as estimativas apontam para 2,4% da população nacional a residir no estrangeiro, enquanto em 1980 não chegava a 1%.

* Marcio Pochmann , economista, pesquisador e político brasileiro. Professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

domingo, 30 de julho de 2023

CÚPULA DE SÃO PETERSBURGO POR IBRAHIM TRAORE * Partido Comunista dos Trabalhadores Brasileiros/PCTB

CÚPULA DE SÃO PETERSBURGO POR IBRAHIM TRAORE
Discurso do presidente interino de Burkina Faso, Ibrahim Traore, na cúpula de São Petersburgo.

O ESPÍRITO DE SANKARA AINDA VIVE!
IBRAHIM TRAORE

Traore é o capitão do exército, em outubro de 2022 deu um golpe e convidou o PMC Wagner da Rússia. E sendo o líder de Burkina Faso, ele não ocupa formalmente o cargo de chefe de estado.

É digno de nota que, de todos os líderes africanos, Putin deu a palavra a ele em primeiro lugar. E Traoré não decepcionou. Ele fez um duro discurso anti-ocidental e anti-imperialista. E terminou com as palavras de Fidel Castro e Ernesto Che Guevara 

"Pátria ou morte".
TOMAS SANKARA

A revolução contra a ditadura do Ocidente é o principal. E Putin está ciente disso.

A IDENTIDADE DE GÊNERO E O SALÁRIO MÍNIMO * MÁRIO MAESTRI-SP

A IDENTIDADE DE GÊNERO E O SALÁRIO MÍNIMO
MÁRIO MAESTRI*

A vanguarda da revolução da identidade de gênero contribui fortemente, no seu autismo individualista, ao recuo de avanços de direitos civis duramente obtidos

Não foi a Damares Alves e a extrema direita que inventaram a “ideologia” ou a “teoria da identidade de gênero” para açular sobretudo o povo evangélico contra a esquerda. Elas apenas surfaram a onda em forma safada. A “teoria da identidade de gênero”, criada em torno dos anos 1975, logicamente nos EUA, teve como precursor o psicólogo John Money [1921-2006]. Ela difundiu-se como poderoso subproduto ideológico da maré liberal que varreu o mundo nas últimas três décadas, com o enorme enfraquecimento do mundo do trabalho.

Devido ao seu poder desorganizador do movimento social, a “teoria da identidade de gênero” foi fortemente apoiada pelo imperialismo. Quando da aposta das administrações Bill Clinton [1993-2001] na globalização e na internacionalização do capital, com o consequente abandono do trabalhador manufatureiro estadunidense como base eleitoral privilegiada, o identitarismo e a “teoria da identidade de gênero” transformaram-se em referências maiores do Partido Democrata.

Construto político-ideológico nascido e voltado para as classes médias liberais, o identitarismo (de raça, de gênero, de nacionalidade, etc.) contribuiu para o naufrágio da candidatura Hillary Clinton, em 2016, devido à migração eleitoral de importantes facções dos trabalhadores brancos e negros em direção a Donald Trump. O identitarismo retornou vitaminado com a vitória de Joe Biden, em 2021. No Brasil, o lulo-petismo tem também procurado, sobretudo com o identitarismo negro, reconstruir uma nova base eleitoral, após o rompimento dos laços referenciais com o mundo do trabalho, devido a sua orientação social-liberal.

Reprodução da espécie

Biologicamente, a espécie humana divide-se em dois sexos, o feminino e o masculino, determinados pela incidência celular, nas mulheres, do cromossoma XX, e, nos homens, do XY. Esse é, desnecessário dizer, um padrão fortemente dominante, com diversos desvios estatisticamente marginais – hermafroditismo etc. Entretanto, a orientação sexual não é definitivamente decorrência necessária da sexualidade biológica, não se constituindo, qualquer desvio desta última, doença ou perversão moral, como já foi e é ainda proposto.

Homens e mulheres podem ser atraídos pelo mesmo sexo (homossexualidade); pelos dois sexos (bissexualidade); por nenhum dos sexos (assexualidade); por crianças (pedofilia); por animais (bestialismo); por objetos inanimados etc. Ainda que a atração heterossexual seja a tendencialmente dominante. As circunstâncias determinam circunstancialmente ou não a atração sexual.

Da interação sexual entre o homem e a mulher dependeu o desenvolvimento da humanidade. Nas últimas décadas, tem avançado, ainda que não em forma geral, com dificuldade e com eventuais recuos, o reconhecimento do direito democrático dos indivíduos de exercerem seus impulsos sexuais, forem quais forem, nos limites impostos pelo respeito aos seres e objetos de seus desejos. Um pedófilo não deve ser discriminado por sua orientação, tendo o direito, comumente negado, de satisfazer sua inclinação sexual de múltiplas formas, desde que não seja com as crianças – literatura, bonecos infláveis etc. [RT, 17/01/2016.]

Tabula rasa

A “teoria da identidade de gênero”, de viés irracionalista, impugnou esse consenso científico. Simplificando, ela propõe o desconhecimento da dualidade sexual biológica masculina e feminina, substituindo-a por uma identidade original de “gênero”. Para além dos órgãos sexuais, todos os seres humanos, ao nascerem, seriam fundamentalmente idênticos. A diferenciação em homens/masculinos e mulheres/femininos seria devido às influências culturais. O sexo seria uma determinação cultural e não biológica.

Os recém-nascidos seriam uma espécie de tabula rasa. Porém, devido à tradição cultural, a criança nascida com um pênis teria sido historicamente criada como homem, um ser do sexo masculino. E a criança nascida com uma vagina teria sido criada como mulher, um ser do sexo feminino. Portanto, crianças nascidas com um pênis ou com uma vagina teriam sua sexualidade determinada essencialmente pela educação. O gênero da criança se deveria dominantemente à cultura.

Essa concepção tem permitido, em alguns países e regiões, que os pais, que veem uma dissociação entre o sexo e o gênero de um seu filho ou filha, possam legalmente intervir com medidas educacionais, psicológicas, médicas, cirúrgicas, etc. para dissociá-los de seus marcadores biológicos de sexualidade, pênis ou vagina, ainda na infância e na pré-puberdade. Intervenções médicas e outras que têm resultado, há décadas, em graves sequelas, ressentidas pelas crianças, pré-adolescentes e adolescentes quando adultos.

O suicídio de David Reimer

David Reimer (1965-2004) foi o primeiro e mais célebre caso de redesignação sexual. Devido a um acidente com seu pênis, quando de circuncisão, foi criado como menina desde bebê, tendo seus testículos extirpados e recebendo tratamento hormonal, procedimentos médicos sugeridos pelo citado John Money, que supervisionou a experiência por longos anos. Em torno dos nove anos, Reiner passou a assumir-se como homem, sofrendo tentativas reparadoras cirúrgicas e hormonais de sua masculinidade, com penosas sequelas físicas e psíquicas. Aos 38 anos, David Reimer se suicidou, tendo deixado um relato publicado anteriormente sobre suas adversidades com a intensão de pôr um fim a tais procedimentos, antes da idade adulta. No que, como vemos, fracassou.

A “teoria da identidade de gênero” defende, como vimos, que genitores que veem ou sintam uma filha no corpo de um filho, ou vice-versa, possam e devam implementar, em geral em forma irreversível, ablações de órgãos sexuais, tratamentos hormonais, interrupções da puberdade, etc. Em palavras simples, redirecionar, com recursos médicos, psíquicos e cirúrgicos, a orientação sexual da criança, antes mesmo que ala chegue à puberdade. Ou seja, antes que atinja o amadurecimento sexual e a maioridade que lhe permitam decidir sobre seu corpo. Os programas e iniciativas de redesignação sexual precoce são logicamente apoiados pelo complexo hospitalar-farmacêutico.

Essas intervenções intempestivas são defendidas eventualmente por pais, adultos e autoridades públicas como necessárias à saúde físico-psíquica de crianças sem capacidade efetiva de decidir sobre elas. Estranhamente, as comunidades ocidentais favoráveis à “teoria da identidade de gênero”, que defendem, com um ardor talibã, o direito dos pais à mutilação dos filhos, são em geral os mais fervorosos críticos da ablação não apenas do clitóris que ainda hoje sofrem centenas de milhares de meninas através do mundo.

Imperialismo revolucionário

Joe Biden tem-se pronunciado em forma dura contra os governadores conservadores ianques que estão proibindo intervenções na sexualidade de crianças e de adolescentes antes da maioridade, devido ao caráter irreversível e às graves sequelas desses tratamentos. Proibições acompanhadas, comumente, de medidas homofóbicas e retrógradas. Mas não devem reclamar, os que deixam a bola picar na pequena área! Nos anos 1990, antes da virada identitária do Partido Democrata, o senador Joe Biden votou contra o casamento homossexual. [MARIE CLAIRE, 2022.]

A multiplicação incessante dos gêneros atualmente propostos exigiria a literal liquidação do binarismo biológico sexual homem-mulher. Os indivíduos seriam livres, portanto, para exigirem, além do direito inarredável de praticarem livremente suas orientações sexuais, o reconhecimento legal como seres em tudo idênticos ao gênero-sexo aos quais se identificam. Não se trata, portanto, do simples e indiscutível direito de registro nos documentos de identidade para superação de constrangimentos. Um travesti não apenas obteria registro de identidade com um nome de mulher, se transformaria em uma mulher.

Um homem que, em um determinando momento, decida definir-se como mulher, deveria ser tratado legalmente como tal pelo Estado, assumindo como única diferenciação, não necessariamente explicitada, ser mulher transgênero, ou trans. Portanto, teríamos, no mínimo, dois gêneros de mulheres, a transgênero ou trans e a cisgênero ou cis. Na última classificação estariam as mulheres ajustadas psicológica e sexualmente às suas determinações biológicas, superlativamente dominantes. O mesmo ocorrendo com os homens, agora divididos em trans e cis.

Essa construção ideológica de identidades abandona o porto seguro das reivindicações pelos direitos de expressão e defesa de todas as orientações sexuais, para navegar os mares do absurdo. Adotada em regiões do mundo liberal-imperialista, suas propostas naufragaram e naufragam inevitavelmente contra os escolhos do mundo real. E, sobretudo, ela permite que a direita e a extrema-direita aproveitem-se dela para reforçarem a agitação conservadora e a intolerância entre a grande população para com as comunidades e práticas sexuais ditas não ortodoxas.

Doce prisão

O mundo real ocupou-se de revelar os absurdos dessas propostas. Desde 2021, em Nova Jersey, nos EUA, permite-se que homens, que se definam como mulheres, cumpram pena em presídios femininos, de convivialidade e regimes menos duros em relação aos masculinos. Demi Minor, homem que se definiu mulher trans, condenado à prisão perpétua por assassinato, exigiu e obteve o direito de ser encarcerado em cela com duas outras detentas, que engravidou em relações consensuais. O que ensejou o fim de tal prática. [GAZETA DO POVO, 2023.]

Tem-se registrado frequentes atos de violência contra prisioneiras, de transexuais aprisionados em prisões femininas, com destaque para os estupros. [CATRACA, 2018.] No Brasil, presos condenados por violação se declaram habitualmente homossexuais para terem direito ao espaço protegido garantido aos gays. Poderão optar por presídios femininos, caso aquele direito seja reconhecido no Brasil, como se tem reivindicado. [DORNELLES, 2020.]

Com atletas homens se auto-definindo como mulheres trans, avança a proibição de federações desportivas de que eles participem de competições femininas – natação, ciclismo, vôlei, basquete, atletismo, levantamento de peso etc. Decisão apoiada em suas vantagens relativas quanto às atletas mulheres. É a realidade biológica objetiva se impondo sobre os devaneios político-ideológicos. [CNNBRASIL, 2023.] J. Biden tem se pronunciado contra essa discriminação.

Nas competições mistas, as mulheres são tendencialmente prejudicadas devido à desigual conformação, em diversos aspectos da fisiologia feminina em relação à masculina – altura, força, velocidade, etc. A diferença entre o maior valor feminino e masculino no levantamento do peso supera os cem quilos. Lideranças feministas têm denunciado a autodefinição de homens como mulheres como outra intervenção-invasão masculina no espaço feminino, pondo mulheres em situação de inferioridade, de insegurança, diluindo reivindicações históricas específicas às mulheres – maternidade, amamentação, etc. [DORNELLES, 2020.]

Em defesa da família

Os desdobramentos discursivos da “teoria da identidade de gênero” têm alcançado pináculos do absurdo, como a proposta de que homens também podem ser mães! Proposta assustadora! Que me desculpe meu pai! Eu não o trocaria, jamais, pela minha querida mamãe! E não creio que meu filho aceite igual troca! Mas ninguém se assusta, já que não há esse perigo. Essa proposta da “teoria da identidade de gênero” tenta apenas disfarçar em forma malandra o fato de que “homens transgêneros” são mulheres biologicamente em tudo iguais às demais, caso mantenham o sistema reprodutor [FLEURITY, s.d.].

Essas formulações esdrúxulas permitem, como proposto, que a extrema direita galvanize e, mesmo, aterrorize, sobretudo a população social e culturalmente mais atrasada. Em geral, a direita conservadora propõe como objetivo, dos governos que apontam de esquerda, a aplicação forçada e geral da “ideologia de gênero”. Em outras palavras, de pretenderem impor a manipulação arbitrária da sexualidade dos recém-nascidos e crianças pequenas, entre outras ações diabólicas. Trataria-se, assim, de um ataque à “família”. E vai argumentar contra essa doutrinação conservadora, no contexto da difusão das sandices revolucionárias da “teoria da identidade de gênero”, que conhece o apoio da grande mídia.

E, não raro, servindo-se da denúncia da “ideologia do gênero”, setores políticos e religiosos de extrema direita conquistam o consenso contra direitos do exercício e da expressão plena, sem restrições, das múltiplas orientações sexuais. Atacam o direito de casamento, de adoção, de expressão artística, etc. das comunidades homossexuais. Assim, a vanguarda da revolução da identidade de gênero contribui fortemente, no seu autismo individualista, ao recuo de avanços de direitos civis duramente obtidos.

Apoiados no compreensível e sadio medo de pais, avós, etc., hétero e homossexuais, de que seus filhos e netos pequenos e pré-púberes recebam como educação sexual os desvarios da “teoria da identidade de gênero” [homens parindo e menstruando; filhos apenas de mães; escolha aleatória da orientação sexual, etc.], políticos reacionários conseguem barrar a necessária educação sexual nas escolas públicas. Na Flórida, acaba de ser proibida a educação sexual e a divulgação da “identidade de gênero” nas escolas públicas, à exceção da informação sobre a reprodução. [G1, 19/04/2023.]

Idealismo e materialismo

As origens da “teoria da identidade de gênero” são múltiplas e complexas, salvo engano, carecendo de uma crítica marxista estrutural. Epistemologicamente, ela se insere no conflito histórico entre o idealismo e o materialismo, com a defesa de um mundo determinado subjetivamente, autônomo à materialidade dos fenômenos objetivos. Um mundo onde a vontade e a decisão individuais constroem uma materialidade fantasmagórica. Nele, eu sou o que pretendo ser. Ponto final. Amigo medievalista [gay] tem-se perguntado se, na “teoria da identidade de gênero”, não teria a “influência do platonismo e do cristianismo nesse desrespeito” a um corpo “que teria de se ajustar à ideia?”

A “teoria da identidade de gênero” materializou-se nas entranhas de facções liberais pequeno-burguesas centradas em suas sofrências, universalizadas e projetadas por sobre e para além das necessidades de todos que lhes são estranhos. Nessa dissolução do mundo e de suas contradições sociais objetivas, minha subjetividade se materializa como o epicentro do mundo, como o alfa e o ômega da minha história, que nasce e se encerra em mim.

Elevo-me a metro do mundo, senhor da fala, transformando-me em um estranho Prometeu que se aquece eternamente no fogo que produz, despreocupado com a humanidade que deveria iluminar. Constituo-me como profeta e libertador do meu próprio umbigo divinizado. Associo-me apenas a uma infinidade de outras individualidades auto-centradas, que me espelha e se espelha em mim.

A “teoria da identidade de gênero” vive obcecada pelo protagonismo que abomina associação ou identificação que arranhe o meu empoderamento singular. Desemboca, portanto, na impossibilidade constrangedora de assinalar, mesmo que seja apenas com uma letra, os infindáveis gêneros singulares que emergem incessantes em suas especulações fantasiosas, elevados ao status de natureza humana. Negando-se a usar o alfabeto mandarim, agrega um + onde deveria colocar um ∞. Atualmente, os gêneros catalogados já superam os sessenta! Todos com seu programa próprio, singular e irredutível. [ABCNews, 13.02.2014.] A unidade do mundo social é dissolvida pela singularidade infinita.

Função político-social

A função político-ideológica conservadora da “teoria da identidade de gênero” se registra quando suas reivindicações fantasmagóricas, próprias às classes médias liberais, ocupam o centro da atividade militante de esquerda e de organizações se reivindicando do marxismo. Consolidam-se, assim, o programa e as reivindicações de segmentos sociais voltados sobre si, que ignoram e desprezam às necessidades materiais das classes trabalhadoras, assalariadas, marginalizadas, etc., que não as atingem. Insuficiências econômicas e sociais dramáticas que comprometem patologicamente todos os aspectos da existência humana – físicos, subjetivos, psíquicos, afetivos, sexuais, etc. Classes sociais exploradas das quais dependem a emancipação social e a superação tendencial de todas as opressões, sem excessões.

Facções das classes médias que vivem suas opressões, em geral sem contradições maiores, caso bem situadas socialmente. Através do mundo dito desenvolvido, temos banqueiros, generais, juízes, primeiro-ministros, governadores, senadores, prefeitos, sindicalistas, etc. homossexuais masculinos e femininos. Nesse universo, a homossexualidade se constitui como um nicho mercadológico do capital. [TRAVEL365, 2023.] E a pecha social que eventualmente conhecem constitui opressão não classista, a anos-luzes da classista, sofrida pelos trabalhadores, assalariados, marginalizados de todos os gêneros, opressão da qual o capital depende estruturalmente, não podendo viver sem ela. A análise científica exige a definição da interdependências e hierarquização dos fenômenos sociais.

A “teoria da identidade de gênero”, parte do câncer identitário, realiza um enorme estrago político e social. Não apenas no Brasil, galvaniza sobretudo jovens das classes médias, com destaque para os universitários, com importante peso relativo nas organizações de esquerda. Em geral, essas organizações, com limitados vínculos com as classes trabalhadoras, abandonam o difícil objetivo de organizar-se por local de trabalho, junto aos oprimidos. Constroem, ao contrário, com sucesso, coletivos “negros”, “feministas”, etc., formados sobretudo por estudantes. Coletivos que definem suas próprias políticas e reivindicações, sob o pretexto da autonomia sectorial. Uma reorientação que permite realizar, com o voto das classes médias, o sonho dourado do eleitoralismo atualmente vicejante na esquerda marxista brasileira: eleger parlamentares pagos regiamente pelo Estado.

Revolucionários que o capital gosta

Uma frente estudantil de organização política que, ao menos, até há pouco, se assumia como marxista-revolucionária, propõe, para o 59 Congresso da UNE, uma campanha nacional que defenda a “centralidade” da reivindicação de “cotas” universitárias para a “população trans”. Ou seja, privilégios no ingresso na universidade pública aos bissexuais, assexuais, homossexuais e todos os demais LGBTQIAPN+. O que torna semi-leprosos os jovens do sexo masculino e feminino ditos cis! Aquela frente estudantil propõe todo o pacote da “teoria da identidade de gênero”. Com destaque para a irresponsável defesa de liberalização dos “procedimentos médicos para a transição de gênero” para “crianças” e a “participação” de homens que se definam como mulheres [“mulheres trans”] “nas competições esportivas” femininas. Imaginemos um Maguila trans em uma competição de boxe feminino! [Afronte, 2023/07/10.]

Essa adesão à pauta neoliberal “cotista” cobre com um verniz progressista o abandono miserável da luta histórica pela universidade pública, gratuita e de qualidade para todos, sem exceções. Reivindicação democrática que tem como corolário a estatização de todo o ensino superior privado. Programa de concretização possível, ainda mais em um país riquíssimo como o Brasil. Entretanto, tal proposta exigiria o deslocamento de ingentes recursos públicos para a satisfação da efetiva democratização no ensino. Recursos utilizados pelos governos atuais e anteriores para satisfazer e alavancar os grandes, médios e pequenos interesses privados. As cotas, ao contrário, distribui recursos já alocados para a universidade pública, em incessante regressão diante do ensino privado, sobretudo controlado pelo capital internacional.

Permitam-me agregar a essas ponderações as recordações e perplexidade de quem já foi, no passado distante, militante universitário que se pretendia marxista-revolucionário. Em 16 de junho de 1969, fui preso, em operação noturna, com a companheira Sandra Machado, já falecida, pela Brigada Militar, que nos parou disparando, felizmente para o alto, três tiros. Nosso crime: estarmos pixando com sprays, a modernidade da época, nos muros da entrada traseira da PUC-RS, além do “fora Rockefeller”, reivindicação então conjuntural, a exigência da “estatização da PUC”. Ela era parte da defesa do ensino público universal das organizações revolucionárias estudantis e da própria UNE. Passei dez dias preso, sofremos processo na Justiça Militar, que pediu condenação de dois anos de cárcere para mim e para Sandra. Não houve exagero na repressão. A luta pela universidade para todos era proposta da esquerda temida pela ditadura militar, já que capaz de mobilizar centenas de milhares de jovens. Fica por conta do atual “admirável mundo novo”, que literalmente nos assombra, ver militantes que se reivindicam da revolução defendendo pauta do grande capital e do imperialismo, que agradecem comovidos, em associação com o atual governo Lula-Alckmin, tais reivindicações.

E a ciranda segue

A centralidade do mundo do trabalho e suas reivindicações gerais e específicas são enviadas às calendas. Salta-se por sobre a necessária luta contra o caráter classista, patriarcal, sexista, etc. da linguagem. Uma luta que expressa tendências profundas da luta de classes, latentes nos padrões populares da fala. Questões que a linguista Florence Carboni e eu abordamos, há anos, no livro A Linguagem escravizada: língua, história, poder e luta de classes. [CARBONI, MAESTRI, 2003.] Avança-se, ao contrário, como pauta da linguagem de “gênero” a proposta de modificações arbitrárias e artificiais da língua, estranhas e opostas à imensa maioria da população. Como a defesa do uso, para uma linguagem mais inclusiva, em lugar dos pronomes “ele” e “eles”, os novos pronomes neutros “elu” e “ile”, entre tantos outros.

Tudo isso enquanto, em respeito ao mundo evangélico, não se enceta luta dura em defesa das multidões de mulheres pobres estropiadas, feridas e mortas devido à criminalização e não inclusão do aborto nas prestações dos SUS. As reivindicações da “Teoria da Identidade de Gênero” avançam de vento em popa, sem qualquer mobilização efetiva pela libertação imediata e incondicional das multidões de mulheres presas por venderem uma trouxa de maconha para sobreviverem à miséria. Libertação de uma população prisional inofensiva que aterroriza as classes médias, que entretanto compra e fuma seus baseadinhos. O que é, diga-se de passagem, um direito de todos.

Para não falarmos no verdadeiro genocídio silencioso de travestis pobres que se pratica impunemente no Brasil, sem qualquer mobilização real das ditas esquerdas. Sem esquecer, finalmente, da escravidão assalariada a que, no presente governo, como nos anteriores, é submetida uma imensa parcela das trabalhadoras e trabalhadores brasileiros, de todos os gêneros imagináveis, pela decretação arbitrária do salário mínimo em 1.320 reais, uma pequena parcela do seu real valor. Uma outra mega carícia ao mundo do capital, pequeno, médio, grande.[1]

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sábado, 29 de julho de 2023

INFORME 378 GUERRA ANTIMPERIALISTA CONTRA OTAN * HENRY BOISROLIN/LAURA TAFFETANI/TXEMA SÁNCHEZ-ESP

INFORME 378 GUERRA ANTIMPERIALISTA CONTRA OTAN
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INFORME nº 378 (28 JULIO 2023)
GUERRA ANTIMPERIALISTA CONTRA LA OTAN
520 DÍAS DE DESNAZIFICACIÓN

HENRY BOISROLIN
LAURA TAFFETANI
TXEMA SÁNCHEZ

ANTIMPERIALISTAS DE TODOS LOS PAÍSES, UNÍOS. ÚLTIMO AVISO!!!
"Abajo el imperialismo y sus lacayos! Victoria y gloria para todos los pueblos en lucha!"
Georges Ibrahim Abdallah.

Oceania vs. Eurásia * Tomasz Konicz/ O BECO

Oceânia vs. Eurásia
Por Tomasz Konicz

Perante o desmoronamento do seu poder económico, Washington passa a adoptar uma estratégia de mera dominância militar no seu confronto com a China

É bem possível que, em retrospectiva, a guerra da Ucrânia venha a ser vista como o primeiro acto de uma grande guerra global, um mero prelúdio do confronto militar entre os EUA e a China que se aproxima em Taiwan. As tensões no Estreito de Taiwan parecem estar a tornar-se um estado precário permanente, enquanto o número de mortos na guerra de agressão russa ascende agora a centenas de milhares.

Ambos os conflitos podem, de facto, ser entendidos como momentos de uma luta global pela hegemonia, travada entre os frágeis sistemas de alianças dos EUA em declínio e da China em ascensão. A nível geopolítico, poder-se-ia falar de uma luta da Eurásia liderada pela China contra a Oceânia dos Estados Unidos. Washington está a seguir uma estratégia de contenção contra a aliança sino-russa, na qual os sistemas de aliança que abrangem o Pacífico e o Atlântico desempenham um papel central. E Taiwan é um elemento essencial desta estratégia de contenção na região do Pacífico, na qual Washington está a tentar incluir a Coreia do Sul, o Japão, as Filipinas, o Vietname e a Austrália.

Esta estratégia de contenção tem vários objectivos: Um deles é impedir a formação sem entraves do poder militar chinês, que está a crescer rapidamente. A capacidade de intervenção global constituiu a base militar da hegemonia dos EUA nas décadas que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial. Pequim está actualmente a promover um programa de armamento naval gigantesco e em rápido crescimento para ultrapassar a Marinha dos EUA. Até 2024, prevê-se que o número de navios de combate chineses aumente de 340 para cerca de 400, enquanto a Marinha dos EUA tem apenas 300 navios. A eficácia deste poder naval chinês seria, no entanto, prejudicada pelas bases americanas que Washington gostaria de estabelecer em todos os Estados vizinhos da China, que observam com inquietação o aumento do poder de Pequim.

Por outro lado, esta contenção visa também impedir a extracção sem entraves de matérias-primas e fontes de energia na periferia do sistema mundial por parte de Pequim, tendo em conta a escalada da crise sócio-ecológica. A protecção militar das rotas marítimas é impossível para a China enquanto Washington tiver aliados ao largo da costa chinesa.

Dinâmica de escalada no capitalismo tardio

Onde ficam as fronteiras da Oceânia e da Eurásia? Esta questão geopolítica, que está a ser disputada militarmente na Ucrânia, coloca-se também em Taiwan, que Pequim considera parte da China. O conflito de Taiwan tem, por isso, uma forte carga nacional e ideológica na China, enquanto a esmagadora maioria dos habitantes de Taiwan é a favor da manutenção do status quo ou mesmo da independência. A luta pela hegemonia entre os EUA e a China é também uma luta pelo domínio tecnológico. Washington está a tentar manter a vantagem tecnológica que ainda tem sobre a República Popular da China, impondo sanções cada vez mais abrangentes. E Taiwan é um local importante para a produção de TI e de alta tecnologia. As mais importantes fábricas de processadores informáticos e de chips estão localizadas na ilha do Pacífico. Washington quer impedir o acesso de Pequim a estas capacidades.

A dinâmica da escalada que se desenrola no Pacífico permanece incompreensível, no entanto, se as crescentes tendências de crise social, económica e ecológica no sistema mundial capitalista tardio permanecerem ocultas. São os processos de crise sistémica, os limites internos e externos cada vez mais óbvios do capital, que levam os Estados a entrar em confronto. Mesmo o ataque da Rússia à Ucrânia, que se assemelha a um acto de loucura nua e crua, permanece incompreensível se não forem tidas em conta as revoltas na Bielorrússia e no Cazaquistão pouco antes.

A nível global, os EUA encontram-se numa posição tão difícil como a da Rússia, no seu quintal pós-soviético desgastado e socialmente perturbado. O recente "terramoto bancário" nos Estados Unidos, desencadeado pelo declínio do valor das obrigações do Estado americano que eram consideradas seguras, é uma expressão do impasse sistémico em que se encontra a globalização neoliberal, centrada no dólar como moeda de reserva mundial: o sistema mundial, que está a sufocar na sua produtividade, carece de um novo sector industrial de ponta no qual pudesse ser valorizado trabalho assalariado em massa; está a funcionar a crédito. A dívida global está a aumentar mais rapidamente do que a produção económica mundial.

Este processo global de endividamento ocorreu através de bolhas especulativas cada vez maiores na esfera financeira, pelo que a globalização levou à formação de circuitos de défice. As economias com excedentes de exportação exportavam as suas mercadorias para os países deficitários, que acumulavam montanhas de dívidas cada vez maiores. Os EUA e a China estiveram intimamente ligados a este processo. No grande circuito de défice do Pacífico, a China conseguiu obter excedentes de exportação gigantescos em relação aos EUA, que depois investiu em obrigações do Estado americano. Quantidades gigantescas de bens foram transportadas da China para os EUA através do Pacífico, enquanto os "bens do mercado financeiro" dos EUA (na sua maioria, os referidos títulos do Estado) fluíram na direcção oposta, tornando a China um dos maiores credores dos EUA. (Um "desequilíbrio" semelhante entre o centro alemão e a periferia sul também caracterizou a zona euro até à eclosão da crise do euro).

Com o fim do boom do pós-guerra, a financeirização e a imposição do neoliberalismo, a base económica do sistema hegemónico ocidental, que antes se apoiava na expansão fordista, alterou-se: os EUA, cada vez mais endividados, tornaram-se o "buraco negro" do sistema mundial, absorvendo o excedente de produção de Estados orientados para a exportação, como a China e a RFA – ao preço de uma desindustrialização e endividamento crescentes a nível interno. Sem o dólar americano, isto não teria sido possível. O dólar, como moeda de reserva mundial, deu a Washington a possibilidade de contrair empréstimos no valor de todas as coisas-mercadorias para financiar, por exemplo, a sua máquina militar. Se, pelo contrário, um Erdoğan liga a impressão de dinheiro, a inflação simplesmente cresce.

A política burguesa de crise na armadilha

Esta economia global de bolhas financeiras que funciona a crédito tornou-se cada vez mais propensa a crises nas últimas décadas. Os episódios de crise tornaram-se cada vez mais graves, as despesas da política para estabilizar o sistema tornaram-se cada vez maiores e os intervalos entre os episódios de crise tornaram-se cada vez mais curtos. Com o início da fase inflacionista, a época neoliberal de adiamento da crise parece estar a chegar ao fim.

A política burguesa de crise encontra-se numa armadilha: teria de aumentar as taxas de juro para combater a inflação e, ao mesmo tempo, teria de baixar as taxas de juro para evitar o colapso do sector financeiro inchado e o desmoronamento das gigantescas montanhas de dívidas. Os EUA, no contexto da economia das bolhas financeiras em colapso e dos referidos circuitos de défice, já não são capazes de funcionar como o "buraco negro" da economia mundial, minando assim a base económica da hegemonia dos EUA. Com o crescente movimento de afastamento do dólar americano na semiperiferia do sistema mundial, onde vários Estados estão a passar para sistemas de pagamento bilaterais com a China, o tempo do dólar como moeda de reserva mundial parece estar a esgotar-se, o que degradaria os Estados Unidos a um gigantesco Estado endividado militarmente bem armado.

A única opção que resta a Washington para manter o sistema de alianças em erosão do "Ocidente" é a dominância militar. A verdadeira espinha dorsal da supremacia dos EUA, bem como da posição do dólar como moeda de reserva mundial, é o aparelho militar dos EUA. É por isso que Washington está pronto para combater o expansionismo chinês com uma estratégia de confronto – enquanto a superioridade militar dos Estados Unidos ainda existir.

Original “Ozeanien vs. Eurasien” in www.exit-online.org. Antes publicado em Analyse & Kritik Nr. 693, 16.05.2023. Tradução de Boaventura Antunes
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sexta-feira, 28 de julho de 2023

A crise da dívida está a tornar-se multipolar * Tomasz Konicz/O BECO

A crise da dívida está a tornar-se multipolar
Tomasz Konicz

Cada vez mais países da América Latina, África e Ásia estão sobreendividados ou mesmo em situação de falência. A China também é afectada por esta crise como credora e tem de conceder empréstimos de emergência para proteger os seus próprios bancos do incumprimento

As subidas das taxas de juro dos bancos centrais ocidentais, com as quais pretendem combater a inflação persistente – nos EUA, a taxa de juro directora é agora de 5 a 5,25%, na zona euro é de 3,75% –, já levaram ao colapso de três bancos regionais nos EUA e estão a travar o crescimento económico em ambos os lados do Atlântico. Mas esta turbulência não é nada comparada com os choques que muitos países economicamente mais fracos estão a enfrentar. Como é cada vez mais caro contrair novos empréstimos, estes países têm cada vez mais dificuldade em pagar as suas dívidas externas, na sua maioria denominadas em dólares americanos.

Especialmente em África, na Ásia, na América Latina e no Médio Oriente, cada vez mais países se encontram numa clássica armadilha da dívida, em que a estagnação económica, a recessão e o aumento dos custos dos empréstimos interagem fatalmente. A situação já está a ser comparada ao "Choque Volcker" de 1979, quando o então presidente da Reserva Federal, Paul Volcker, aumentou as taxas de juro directoras nos EUA para mais de 20% por algum tempo, para combater muitos anos de estagflação, desencadeando uma crise da dívida, especialmente em países da América do Sul e de África.

Em meados de Abril, o Financial Times, citando um estudo da ONG Debt Justice, informou que o serviço da dívida externa de um grupo de 91 dos países mais pobres do mundo consumiria uma média de 16% das suas receitas públicas este ano, prevendo-se que esse valor suba para 17% no próximo ano. A última vez que se atingiu um valor tão elevado foi em 1998. O mais atingido é o Sri Lanka, cujo serviço da dívida este ano é equivalente a cerca de 75% das receitas previstas, razão pela qual o Financial Times espera que a nação insular "não cumpra os pagamentos" este ano.

A Zâmbia que, tal como o Sri Lanka, já teve de enfrentar uma falência nacional no ano passado, está também gravemente ameaçada. A situação é igualmente terrível no Paquistão, onde 47% das receitas do Estado terão de ser utilizadas para pagar os empréstimos externos este ano. As consequências para a população destes e de muitos outros países são já dramáticas: os governos já não podem pagar salários ou financiar a importação de fontes de energia ou de alimentos, por exemplo, e o declínio do valor das suas moedas agrava a inflação, a pobreza e a fome.

Mas não são apenas os países mais pobres que estão ameaçados. Na Argentina, por exemplo, onde o banco central imprime dinheiro para financiar o défice orçamental, a inflação é actualmente de 109% e ameaça transformar-se numa hiperinflação destrutiva. Como muitos outros países em crise, a Argentina concluiu um programa de emergência com o Fundo Monetário Internacional (FMI) que prevê empréstimos de 44 mil milhões de dólares americanos em troca de medidas de austeridade. Em meados de Maio, o Presidente argentino, Alberto Fernández, apelou a renegociações com o FMI, tendo em conta a quebra de colheitas de trigo, o mais importante produto de exportação, provocada pela seca. A Vice-Presidente Cristina Fernández de Kirchner chegou mesmo a qualificar o acordo de "escandaloso" e de "fraude".

A China, que se tornou um dos maiores credores do mundo nos últimos anos, desempenha um papel especial na actual crise da dívida. Só no âmbito do programa de desenvolvimento global da Iniciativa "Uma Faixa, Uma Rota", também conhecida como "Nova Rota da Seda", foram efectuados empréstimos e transacções no valor total de, pelo menos, 838 mil milhões de dólares americanos até ao final de 2021, sobretudo para financiar infra-estruturas e outros grandes projectos em África, na Ásia e na América Latina. A maioria dos empréstimos foi concedida por bancos chineses. A China queria lançar as bases para uma futura hegemonia económica.

Mas agora – após a pandemia de Covid-19 e a invasão da Ucrânia pela Rússia, o aumento da inflação mundial e o abrandamento do crescimento na própria China – os bancos chineses estão mais relutantes em conceder empréstimos aos países mais pobres. De acordo com um estudo do Rhodium Group, já em 2021 cerca de 16% dos empréstimos concedidos pela China ao estrangeiro, no valor de 118 mil milhões de dólares, estavam em risco de incumprimento e teriam de ser renegociados.

Apenas um ano depois, de acordo com um estudo do Instituto para a Economia Mundial (IfW) de Kiel, a crise da dívida externa chinesa já se alargou consideravelmente. Segundo o estudo, 60 por cento dos empréstimos já estavam em risco de incumprimento em 2022, pelo que Pequim teve de conceder 128 empréstimos de emergência a 22 países devedores, no valor de 240 mil milhões de dólares americanos. Na maioria dos casos, os países devedores apenas beneficiam de um adiamento, através da emissão de novos empréstimos para reembolsar os pagamentos devidos, o que permite uma "extensão dos prazos de vencimento ou das condições de pagamento"; a anulação da dívida "só ocorre muito raramente", segundo o IfW.

A maior parte destes empréstimos de refinanciamento foi concedida pelo banco central chinês, o que efectivamente salva os bancos chineses que originalmente concederam os empréstimos. Os autores do estudo do IfW comparam, por isso, as actuais acções da China com a concessão dos chamados empréstimos de emergência à Grécia e a outros países do Sul da Europa durante a crise do euro, que também se destinavam a salvar bancos ameaçados de incumprimento.

De acordo com o IfW, os empréstimos de crise e os empréstimos intercalares destinam-se principalmente aos "países de rendimento médio", que representam 80% do volume de empréstimos estrangeiros da China e, por conseguinte, "grandes riscos para os balanços dos bancos chineses". Os países de baixo rendimento, por outro lado, quase não receberam empréstimos de crise, uma vez que as falências desses Estados dificilmente poderiam pôr em perigo o sector bancário chinês. Além disso, a taxa de juro dos empréstimos de crise chineses é, em média, de cinco por cento; no FMI, é comum a taxa de dois por cento. Entre os países devedores que beneficiaram de empréstimos de crise contam-se países como o Sri Lanka, o Paquistão, a Argentina, o Egipto, a Turquia e a Venezuela.

O IfW também observou que, para uma grande parte dos empréstimos de resgate, as modalidades e a dimensão dos programas de empréstimo não estão disponíveis ao público. Esta situação torna "a arquitectura financeira internacional mais multipolar, menos institucionalizada e menos transparente". Esta falta de transparência afecta também os empréstimos anteriormente concedidos pelos bancos chineses. Num recente relatório detalhado sobre a crise da dívida, a agência noticiosa Associated Press (AP) citou os resultados de um estudo do grupo de investigação Aid Data, que registou empréstimos chineses de pelo menos 385 mil milhões de dólares americanos em 88 países, só até 2021, que estavam "escondidos ou insuficientemente documentados".

Muitos dos países mais pobres de África ou da Ásia acederam prontamente ao dinheiro chinês no auge da bolha de liquidez mundial, entre 2010 e 2020, para financiar infra-estruturas e projectos de prestígio que se transformam cada vez mais em ruínas de investimento no actual surto de crise. Para estes países, o secretismo representa agora um grave problema, porque em caso de incumprimento, os credores internacionais do país afectado têm de chegar a acordo sobre quem adiará os empréstimos ou renunciará aos reembolsos e em que medida. No entanto, os credores e instituições ocidentais, como o FMI ou o Banco Mundial, estão actualmente a recusar programas de emergência em muitos casos, porque as modalidades dos programas de empréstimos chineses não são claras e não conseguem chegar a um acordo com a China. Alguns Estados pobres estão, por isso, numa "situação de limbo", escreve a AP, porque a China não está disposta a aceitar perdas, enquanto o FMI se recusa a conceder empréstimos a juros baixos, se apenas as dívidas chinesas forem pagas com eles.

As negociações com os credores são ainda oneradas pela intensificação da competição política global entre os países ocidentais e a China. A crescente fragmentação da economia mundial torna "mais difícil a resolução de crises de dívida soberana, especialmente quando existem divisões geopolíticas entre os principais credores soberanos", alertou em Janeiro a directora-geral do FMI, Kristalina Georgieva.

Os países ocidentais, por seu lado, esperam utilizar a crise da dívida externa chinesa para fazer recuar a influência que a China construiu através dos seus empréstimos em muitas regiões do mundo. A Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou em Maio que existe agora uma "janela de oportunidade" para os países do G7 e os seus parceiros, depois de "muitos países do Sul Global terem tido más experiências com a China" e se encontrarem em "crises de dívida", enquanto a Rússia apenas tem "mercenários e armas" para oferecer. O Ocidente poderia, se actuasse rapidamente, estabelecer parcerias com estes países que seriam mutuamente benéficas. As empresas e os bancos poderiam ser envolvidos na elaboração de "pacotes globais" que também transfeririam partes das cadeias de produção para os países em desenvolvimento. A UE quer promover "não só a extracção de matérias-primas, mas também a sua transformação e refinamento locais". Von der Leyen está, assim, a especular sobre uma má memória dos seus potenciais "parceiros" do Sul Global, que já tiveram experiências dolorosas com os programas de crédito ocidentais desde os anos de 1970.

Original “Die Schuldenkrise wird multipolar” in www.exit-online.org. Antes publicado em Jungle World 22/2023, 01.06.2023. Tradução de Boaventura Antunes
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quinta-feira, 27 de julho de 2023

O germe da violência fascista * César Trompiz/VE

O germe da violência fascista
César Trompiz/VE

Por que o presidente Nicolás Maduro alerta sobre a violência de direita? Há razões para considerar que os setores que se opõem à Revolução Bolivariana podem reeditar uma agenda fracassada baseada no uso de métodos violentos para chegar ao poder? Nada mudou, vamos procurar os motivos!

Cada vez que a paz é imposta, a Revolução vence. Foi o que aconteceu com a Constituição de 1999, foi possível processar a violência social, anti-imperialista, anti-oligárquica e anti-neoliberal. Construímos um Estado que integra todos os sectores nacionais, promove a igualdade e a justiça social. O Estado Bolivariano, com democracia participativa e protagonista, é o triunfo da paz sobre a violência do neoliberalismo e sua “Agenda Venezuelana”.

Essa “Agenda Venezuelana” foi o programa neoliberal privatizador, derrotado com a chegada da Revolução Bolivariana. Foi todo um conjunto de “reformas estruturais” sustentadas como a direita sabe: com uma guerra contra o povo, usando toda a violência do Estado (polícia e forças armadas) para reprimir o movimento social. A República que defende a oposição, só se sustentaria com a escravidão e a morte do povo.

A Venezuela, sob o comando da direita neoliberal, havia mergulhado no caminho do fratricídio e da guerra civil. Esta última ainda não declarada, mas presente no comportamento institucional frente às demandas populares em qualquer uma das instâncias do Estado venezuelano no final do século XX. A resposta popular contra a "Agenda Venezuelana" e seu esforço pela transnacionalização e privatização do país, deu vida ao movimento bolivariano pela tomada do poder político em 1998. Com esta última ação, a resposta de paz e reconstrução nacional foi a Agenda Bolivariana Alternativa, a Assembleia Constituinte de 1999, a construção de um novo Estado, uma nova constituição e a Revolução Bolivariana liderada pelo Comandante Hugo Chávez e agora pelo Presidente Nicolás Maduro Moros.

A paz é a conquista única do Estado Bolivariano. Uma conquista muito particular do presidente Nicolás Maduro Moros nesta etapa de liderança que o comoveu. A paz, porém, não é o objetivo de toda a nação, as oligarquias, os grupos políticos de direita e os aliados indiscutíveis do imperialismo continuam defendendo a consolidação de um país excludente, incapaz de ser socialmente justo para todos, seu propósito é a guerra.

A direita precisa da destruição do estado atual. Por isso, como alertou o comandante Chávez, seu interesse não é a conquista eleitoral da presidência, prefeituras, deputados ou governadores. Eles precisam acabar com a República Bolivariana da Venezuela, para restaurar a república oligárquica.

Vejamos o discurso da oposição. Sua referência ao "passado de sucesso" da República, sua "Venezuela antes", não é o palco da distribuição populista da Ação Democrática e da Copei, mas sim da fase neoliberal pactuada por ambos os partidos na década de 1990. Em outras palavras, o momento de maior convulsão social e decomposição orgânica do Estado. Referem-se à época da privatização das grandes indústrias do país, à violação massiva dos direitos humanos da população, ao governo do Fundo Monetário Internacional. A época a que se referem as "múmias do passado" é aquela que deu origem ao triunfo da Revolução.

Qual é a relação entre violência de direita e medidas coercitivas unilaterais, por que você as pediu? Por que eles são úteis para os líderes da direita global e da oposição nacional apátrida? Por que não se importam que sejam chamados de country sellers, pitiyanquis e sipaios por se aliarem a potências estrangeiras para prejudicar o povo venezuelano e o Estado?

Os direitos precisam de outro Estado, privatizador, violento e antipopular. Por isso são promotores e pais de qualquer medida internacional que signifique intervenção, roubo e saque dos recursos e bens da Nação. Por esses direitos, o inimigo que eles querem derrotar é todo o povo transformado em Estado.

A forma de violência internacional que o bloqueio significa é outra expressão da vontade da direita local. Assim como faziam bloqueios com guarimbas, agora guarimbam de seus aliados internacionais. É uma turba, uma horda que ataca por dentro e por fora para tentar derrubar não um regime, mas todo um povo. As eleições são para o direito uma exigência de legitimidade, não um propósito construtivo. O germe da violência fascista é semeado em cada campanha que esta falange assume e para chegar ao governo a sua única forma de trabalhar é continuar a violência antipopular, mas institucionalizada.

Está demonstrado, em 24 anos são as mesmas pessoas com a mesma prática fascista contra o povo. O presidente Nicolás Maduro nos alerta contra essa ameaça recorrente quando declara sua campanha contra o ódio, a intolerância e o fascismo, em defesa do direito à paz, da defesa das liberdades democráticas, da construção do pensamento crítico e da divulgação do “venezuelano afirmativo”.

*Embaixador da Venezuela na Bolívia, militante bolivariano

quarta-feira, 26 de julho de 2023

DOCUMENTÁRIO NICARÁGUA * Partido Comunista dos Trabalhadores Brasileiros/ PCTB

DOCUMENTÁRIO NICARÁGUA
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MILAGROS DEL CARMEN URBINA ROCHA
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Documental: FSLN 44/19
(Primera Parte) #IzquierdaVisión5
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ESTELI 16 DE JULHO 1979
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TOMAS BORGE - CUETO
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MANUEL ROBERTO CUETO
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A JULIO BUITRAGO


Que podría escribir que no esté escrito con tu valiosa sangre, valentía, coraje y vida?


Estoico tayacán de ejemplos generacionales, cuánta razón tuvo Leonel al gritar "Que se rinda tu Madre" tu heroísmo inspirador caló tantos corazones jóvenes.


Cómo olvidar la alegría de un pueblo oprimido cada vez que respondías desde abajo o desde arriba con tu pequeña metralla al mar de balas de la GN


Y cómo lloró en silencio el pueblo entero, cuando antes de terminar tus municiones corristes al frente disparando contra las balas asesinas, cuando caistes de rodilla todavía disparando hasta agotar tu última bala.


Después de Junio y antes de Agosto, no es Julio, es JULIO BUITRAGO.


Mes del obrero sindicalista José Benito, de la chinita cantautora y guerrillera Arlen, mes del triunfo, mes de la cosecha, mes de JULIO BUITRAGO.


Nicaragua entera cambió después que nacistes con tu metralla en la mano y tu figura perforada. Se achicaron los pechos, se lloró de nuevo en  silencio inolvidable.


         C U E T O

El poeta del pueblo

15/07/2,023

BIOGRAFIA DE JULIO BUITRAGO

Julio Buitrago Urroz (2023) * NICARAGUA

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FSLN ORIGENS
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FRACASSOS DO IMPERIALISMO
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terça-feira, 25 de julho de 2023

O INCRÍVEL DISCURSO DO PRESIDENTE DO GANA SOBRE AFRICA * Nana Addo Dankwa Akufo-Addo - Presidente de Gana

O INCRÍVEL DISCURSO DO PRESIDENTE DO GANA SOBRE AFRICA
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Nana Addo Dankwa Akufo-Addo - Presidente de Gana

Defender a Revolução Cubana incondicionalmente contra a barbárie imperialista! * Frente Revolucionária dos Trabalhadores-Partido Comunista dos Trabalhadores Brasileiros(FRT/PCTB)

Defender a Revolução Cubana incondicionalmente contra a barbárie imperialista!

Desde a vitória da revolução cubana em 1959, que pôs fim a dominação das oligarquias burguesas parasitárias que sugavam o país, associada ao capital imperialista, foi-se incrementando ao longo do tempo pelas mãos do sistema de dominação imperialista, toda uma campanha mundial de sabotagem e crimes, que visavam destruir o Estado operário cubano.

ENTREVISTA FIDEL CASTRO

Cuba, assim como os demais países do Caribe e do conjunto da América latina, como produto da colonização, manteve-se estruturalmente dependente, subdesenvolvida e aprisionada, da forma mais submetida possível à divisão mundial do trabalho imperialista, até a revolução de 1959. Sua economia dependia das exportações agrárias, pautadas na cana de açucar e no tabaco; essas exportações por sua vez, garantiam as divisas internacionais necessárias para bancar as importações de itens manufaturados e bens de luxo suntuarios, que garantiam o padrão de vida ostentatório das oligarquias rurais, da burguesia urbana e setores parasitários das camadas médias da sociedade cubana. Também, essa estrutura de economia dependente voltada para fora, foi responsável pela hipertrofia da dívida externa do país e da inflação estrutural e crônica, que corroía as condições de existência das massas e sangrava o país permanentemente, gerando a armadilha, que é comum em nossos países, daquilo que André Gunder Frank chamava "desenvolvimento do subdesenvolvimento". Essa forma de economia portanto, se assentava cada vez mais no latifúndio hiper concentrador de terras, gerando como consequência a carência de um mercado interno e de uma industrialização ancorada em desenvolvimento de forças produtivas, fator primordial para romper com as amarras da dependência e do subdesenvolvimento. Como resultado disso, Cuba estava cada vez mais agrilhoada aos interesses do grande capital imperialista e monopolista, fator que impedia seu desenvolvimento econômico, social, político e cultural. O reflexo disso na sociedade cubana era a miséria generalizada que dominava o país, enquanto as oligarquias dorigentes, sócias menores e serviçais do imperialismo estadunidense, viviam num luxo paradisíaco, fazendo de Cuba um literal bordel e cassino dos magnatas estrangeiros que ali se deliciavam.

Já em fins do século XIX José Martir, grande pensador e revolucionario se dedicou por inteiro até entregar sua vida pela libertação de Cuba da dominação imperialista. Mas tal fato só se concretizou com a revolução de 1959 dirigida por Fidel Castro, que em pouco tempo tomou um rumo socialista, expropriando o capital privado e nacionalizando a economia em benefício do povo trabalhador. Tais iniciativas revolucionárias no âmbito da economia concreta, foi o que garantiu a ruptura do país em relação a dependência. O povo cubano, que até então "viveu para um outro", sem projeto próprio de nação; através da sua revolução social passou a ser um "povo para si".

No entanto, devido a herança objetiva do passado colonial e mais recentemente da dependência e do subdesenvolvimento, somado ao isolamento e sabotagem que o país sofreu e sofre por parte do sistema de dominação imperialista, dificultou seriamente o avanço e concretização de um projeto mais sustentado de industrialização sobretudo no chamado "departamento I" da economia, responsável por desenvolver forças produtivas. Isso impõe sérios limites a economia e sociedade cubana.

Tal fato expressa a importância imperativa de sair do isolamento, somente possível através da revolução internacional no continente. Aqui vemos a importância da relação dialética que envolve nacionalismo e internacionalismo nas lutas de classes latinoamericanas.

Apesar de todas as dificuldades encontradas e enfrentadas, a revolução cubana garantiu vida digna socialmente, politicamente e culturalmente a seu povo, coisa que praticamente nenhum outro país de nosso continente concretizou até o fim. Isso é a demonstração cabal de que, os países que passaram pela via colonial, dependentes e subdesenvolvidos, somente podem se emanciparem substancialmente pela via revolucionária e popular. As burguesias que surgem tardiamente na divisão mundial do trabalho, não tem e nem podem ter projeto próprio de "nação para si". Só os povos trabalhadores em nosso continente e nos demais países dependentes, podem cumprir até às últimas consequências as tarefas prementes da emancipação nacional, do desenvolvimento de fato e romper com a dependência e as formas de dominação neocolonial, superando como condição primordial o capitalismo selvagem.

Importante aqui, é fazer uma crítica a setores esquerdistas que, fazendo coro com os pré postos do imperialismo e da extrema direita cubana, clamam e propagandeiam sobre a "necessidade" de se fazer uma suposta "revolução política" em Cuba, que destituiria aquilo que segundo estes setores trotskistas chamam de "burocracia" e que seriam os "responsáveis" por todos os males no país. Para além de reacionario e alinhado com a propaganda imperialista, essa proposta dos diversos grupos trotskistas não passa do mais vulgar voluntarismo idealista abstrato, sem base alguma na realidade objetiva. Sem avançar numa análise sociológica materialista e dialética profunda de Cuba, do próprio capitalismo mundial e suas manifestações em nossa região, para esses "revolucionarios" de gabinete bastaria implementar uma mudança puramente politicista em Cuba, afastando o demônio da "burocracia" e pronto: Cuba estaria em vias do comunismo. Esses escribas esquerdistas, que na prática se ajuntam aos bandos de Miami contra o Estado operário e popular cubano, há muito abandonaram a bandeira principista do antiimperialismo e hoje, apoiam veladamente os golpes de novo tipo das forças imperialistas, seja em Nossa América, na Ucrânia, Líbia, Síria, etc.

Cuba precisa do apoio internacionalista e antiimperialista dos povos. Somente o triunfo da revolução socialista latinoamericana pode fazer avançar a revolução cubana, cercada e ameaçada permanentemente pelo imperialismo e seus lacaios internacionais.

FRENTE REVOLUCIONÁRIA DOS TRABALHADORES
FRT
PARTIDO COMUNISTA DOS TRABALHADORES BRASILEIROS
PCTB
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