segunda-feira, 31 de julho de 2023

Brasil – A face da reprimarização * Márcio Pochmann/SP

Brasil – A face da reprimarização
Márcio Pochmann/SP

A desindustrialização mudou o perfil demográfico do país. Sem oportunidades, 2,4% dos brasileiros estão no exterior. A população sai das metrópoles e incha as cidades médias, impulsionadas pelos serviços rurais e que constituem sua base sociopolítica.

O Brasil do primeiro quartel do século XXI é profundamente diferente daquele que existia antes da entrada na globalização, nos anos 1990. Em suma, a nação cedeu.

Segundo o Fundo Monetário Internacional, a participação do Brasil no PIB mundial (a preços correntes e paridade do poder de compra) passou de 4,3% em 1980 para 1,7% em 2022. De sexta maior economia do mundo, caiu para nona no mundo.

Segundo as Nações Unidas, a participação do Brasil na população mundial caiu de 2,7% em 1980 para 2,5% em 2022. De quinto país mais populoso, caiu para sétimo. Se essa trajetória demográfica continuar, o Brasil pode deixar de estar entre os dez países mais populosos do mundo até o final do século XXI.

Considerando as informações do Censo 2022, destacam-se três grandes mudanças identificadas no Brasil desde o início do século XXI.

A primeira refere-se à longa estagnação da renda per capita nacional, que acabou impactando direta e indiretamente as decisões dos brasileiros, especialmente no que diz respeito à trajetória da taxa de natalidade. A aceleração da queda dos nascimentos em relação ao total da população foi decisiva para que a transição demográfica se aprofundasse muito rapidamente.Assim, o Brasil, que tinha uma história de forte crescimento demográfico, inverteu o rumo no início do século XXI. Se a política demográfica não for modificada, por exemplo, a população do país ficará estável e poderá até diminuir em termos absolutos, enquanto no século XX o número de brasileiros multiplicou por dez e no século XIX por cinco.

A segunda grande mudança é o processo inédito de desmetropolização da população, com a passagem do sistema industrial, outrora complexo, diversificado e regionalmente integrado, para o modelo econômico primário-exportador, acompanhado da desindustrialização nacional.

Em 2022, por exemplo, o conjunto das grandes cidades com 500 mil ou mais habitantes reduziu sua participação relativa na população total para 29%.

Em 2010, as metrópoles brasileiras representavam 29,3% da população total, bem acima dos 27,6% em 2000. Por outro lado, o grupo de cidades médias com 100.000 a 500.000 habitantes aumentou sua presença relativa na população total para 28%, de 25,4% em 2010 e 23,2% em 2000.

Note-se que as regiões metropolitanas, localizadas em sua maioria no litoral do país, exerceram forte papel central no avanço da industrialização nacional até a década de 1980. Hoje, após o longo caminho da desindustrialização, as bases da moderna sociedade urbana e industrial estão em ruínas, e as metrópoles do país concentram os acúmulos de pobreza, desemprego e violência.

Uma verdadeira síntese da face do Brasil forjada pelo novo sistema violento para dominar pelo fanatismo religioso e banditismo social as multidões de sobrados sem rumo que perambulam pelas periferias dos centros urbanos desmetropolizados. Por outro lado, a modernidade avança na forma de enclaves econômicos cada vez mais conectados ao mundo exterior por meio do turismo e, sobretudo, do agrarianismo exportador.

Nesse contexto de enriquecimento internalizado nas cidades médias, que crescem em ritmo "chinês", a fuga da riqueza atrai um crescente e variado segmento de ocupações "servis", essenciais para a reprodução do modelo consumista copiado do american way of life e situado no "teto aberto" da sociedade brasileira . Assim, a restrita dinâmica do emprego na atividade econômica primário-exportadora acaba sendo "compensada" pela difusão de serviços que servem à reprodução dos novos ricos do país.

Por último, mas não menos importante, os múltiplos impactos decorrentes da inserção da população brasileira na Era Digital – em grande medida, o afastamento dos atuais padrões tributários e federalistas, típicos do passado da sociedade industrial que ficou para trás. Nesse sentido, a diminuição da população e seu deslocamento geográfico no território nacional revelam a reconfiguração social do país.

A nova cara do Brasil impacta direta e indiretamente os municípios, principalmente os que saem perdendo e os que convivem com a estagnação de seus habitantes. Na Era Digital, o motor do negócio já não assenta na exclusividade do dinamismo tradicional exercido pela ocupação exercida fora do local de residência.

Incapaz de oferecer condições dignas de vida e trabalho, o país passou a conviver com a diáspora inédita de brasileiros que emigraram para outros países. Em 2022, as estimativas apontam para 2,4% da população nacional a residir no estrangeiro, enquanto em 1980 não chegava a 1%.

* Marcio Pochmann , economista, pesquisador e político brasileiro. Professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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