terça-feira, 21 de dezembro de 2021

A DITADURA DO PROLETARIADO * Marta Harnecker / Gabriela Uribe / Chile

A DITADURA DO PROLETARIADO
Marta Harnecker e Gabriela Uribe

1 - A necessidade de construir um Estado proletário

No primeiro caderno desta série dissemos que os donos dos meios de produção, ao mesmo tempo que detêm o poder econômico, controlam graças a ele, outros aspectos da sociedade.

O Estado, por exemplo, não é um aparelho neutro, a serviço de toda a sociedade, como pretendem fazer-nos crer os capitalistas. O Estado tem defendido sempre os interesses de quem detém o poder econômico. Os governos capitalistas no nosso país utilizaram e continuam a utilizar frequentemente as forças policiais para reprimir os trabalhadores quando as suas lutas põem em perigo o sistema dominante. Disto são testemunhos gritantes as lutas em que a classe operária viu morrer os seus filhos. Por outro lado, todos os trabalhadores sabem que não existe uma justiça igual para todos os brasileiros. Existe a lei do pobre e a lei do rico. Se um pobre mata outro, mesmo por razões de fome e miséria é condenado a longos anos de prisão; se um rico mata outro consegue com dinheiro calar o processo, e se é julgado, o castigo é muito pequeno e geralmente é posto em liberdade sob fiança.

Se o latifundiário rouba a terra ao lavrador, passam-se anos sem que a justiça faça alguma coisa para devolvê-la. Se o lavrador recupera a terra que lhe foi roubada, intervém a polícia para colocar ordem, isto é, para impedir que os interesses dos latifundiários sejam prejudicados.

O Estado capitalista, que diz ser o Estado mais democrático do mundo, é de fato uma democracia para uma minoria. Democracia para que poucos tenham casas luxuosas em vários pontos do pais, carros luxuosos, viagens ao estrangeiro, enquanto a maior parte do povo vive em povoações afastadas dos seus locais de trabalho, em "vilas", em bairros da lata e têm de andar quilômetros para chegar ao trabalho, muitas vezes sem terem dinheiro sequer para o transporte. Democracia para que uma minoria possa mandar estudar os filhos nas universidades, enquanto a maior parte das crianças do país não passa das primeiras letras. Democracia para que poucos possam exprimir publicamente opiniões e ideias, porque têm bastante dinheiro para comprar programas de rádio e de televisão, jornais e revistas, enquanto a voz da maioria, que não tem nem influência, isto é poder político, nem dinheiro, não se pode fazer ouvir. Democracia para que uma minoria se dê ao luxo de escolher o trabalho que quer realizar, enquanto a maioria tem de aceitar todo e qualquer trabalho para não morrer de fome.

Trata-se de uma democracia muito limitada, porque o povo tem que submeter-se às decisões tomadas por uma pequena minoria: os capitalistas. Trata-se de uma democracia para esta classe social, mas uma ditadura para o povo, já que tudo o que põe em perigo aquela minoria é reprimido, usando-se todos os meios disponíveis incluindo a força física, a tortura e muitas vezes a morte.

Por isso, é porque o Estado capitalista defende os interesses da classe capitalista, (a minoria), contra os interesses do povo a maioria), este se quer pôr fim à exploração, se quer conseguir uma verdadeira liberdade e democracia, se quer pôr os meios de produção a seu serviço deve destruir o Estado capitalista e construir um novo: um Estado proletário.

2. Como está constituído e como funciona o Estado proletário.

Este Estado deve ser dirigido pela vanguarda do proletariado, e ser formado por todo o povo que toma nas suas mãos o poder do Estado, passando a constituir ele mesmo as instituições desse poder.

“Necessitamos de um Estado, mas não como o que a burguesia necessita, com os órgãos do poder - tomando a forma de polícia, exército, burocracia - separados do povo e virados contra ele".

A máquina do Estado que está constituída, e que serve a burguesia para os seus próprios fins, é substituída totalmente por outra, que serve o proletariado e cujas instituições estão fundidas com o próprio povo. É ele que passa agora a exercer estas funções duma forma direta e em condições de impô-las pela força à burguesia, se necessário, por não existir separação entre o exército permanente e o povo armado. O poder generalizado do povo em todos os aspectos da vida social é o único que pode impedir a minoria, ainda poderosa, de tomar novamente o poder durante este período em que o proletariado vai criando as condições que farão desaparecer a burguesia como classe.

A este novo tipo de Estado, que se estabelece desde a tomada do poder pelo proletariado é o que se chama a ditadura do proletariado.

3. A ditadura do proletariado não é a negação da democracia.

Se perguntarmos o que se entende por ditadura a maior parte das pessoas nos dirá que se trata dum regime político em que desapareceu a democracia e a liberdade, quer dizer, que se trata de uma tirania.

Mas, para o marxismo a ditadura tem um significado diferente do que se lhe dá geralmente. Sabemos que a sociedade é constituída por diferentes classes sociais, e que umas exploram as outras, exercendo sobre elas o seu domínio econômico, político e ideológico. O que interessa ao marxismo, em relação ao problema da ditadura, é saber qual a classe que se pretende dominar, qual a classe que, como classe, deve finalmente desaparecer?

A ditadura do proletariado é a “organização centralizada da força” contra a escassa minoria, que enquanto está no poder utiliza todos os mecanismos que tem a seu alcance para explorar e oprimir o povo. É a ditadura exercida pelos trabalhadores e exploradores para esmagar a resistência dos exploradores.

A ditadura do proletariado, segundo Lenin, une a ditadura com a democracia. A ditadura contra a burguesia, quer dizer, contra a minoria da população, e a democracia, quer dizer, a participação geral e em igualdade de direitos da esmagadora maioria da população em todos os assuntos do Estado e em todos os complexos problemas que a destruição do capitalismo implica.

A democracia proletária é, portanto, uma democracia muito mais ampla e mais perfeita do que a democracia burguesa. Mas, para sê-lo deve submeter as classes até então dominantes. Sem destruir o poder econômico e político destas classes, não pode existir bem-estar e democracia para o povo.

O marxismo afirma isto, porque reconhece a existência de interesses antagônicos, entre os grupos da sociedade, e por isso não cai na ilusão de acreditar que estes grupos podem dar as mãos para caminharem juntos para a nova sociedade. Só se a classe dominante estivesse disposta a abandonar os seus privilégios o que é impossível, a ditadura do proletariado não seria necessária.

Ora, ainda que os Estados burgueses se revistam das mais diversas fachadas (desde o regime democrático parlamentar, até à ditadura militar fascista), a essencial é sempre a mesma: uma ditadura da burguesia. Também a transição do capitalismo para o comunismo se pode fazer de diversas maneiras, conforme as características próprias de cada formação social, de cada país, mas mantendo sempre a sua característica fundamental: a ditadura do proletariado.

Por exemplo, em determinadas formas de ditadura do proletariado pode manter-se a participação eleitoral da burguesia.

4. O que torna necessária a ditadura do proletariado durante o socialismo?

Se o proletariado toma o poder na violência e consegue expropriar em pouco tempo os grandes capitalistas, porque é que se torna necessário estabelecer um regime de ditadura do proletariado?

Porque a burguesia usa as vantagens que ainda conserva sobre o proletariado para se opor violentamente ao novo poder. Estas vantagens criam-lhes esperanças de voltar ao capitalismo, esperanças estas que se transformam em tentativas concretas de o impor novamente. Historicamente os exploradores opuseram sempre uma resistência prolongada e desesperada para impor de novo um regime que defenda os seus interesses.

Perderam as fábricas e as propriedades latifúndios mas ficou-lhes muito dinheiro (a maior parte guardados em bancos estrangeiros). Ficam em seu poder durante algum tempo numerosos bens mobiliários. Têm muitos amigos, que passam a fazer parte do novo regime no seu começo.

Os hábitos de organização e direção, o conhecimento dos segredos da administração, a preparação intelectual, dão-lhes uma grande força. Mantêm laços estreitos com o pessoal técnico da hierarquia, que leva uma vida burguesa e tem ideias burguesas. Têm uma experiência infinitamente superior da arte militar. Não são menos importantes as suas relações internacionais. O internacionalismo da burguesia, todos os dias se fortalece mais. Por outro lado, através de todo este poder que continuam a ter nas mãos, podem conquistar as massas exploradas menos politizadas.

Por todos estes motivos, os exploradores conservam durante longos anos vantagens reais sobre os explorados. Se aquela classe e os seus aliados aceitassem não ter já nenhum papel histórico a jogar, se abandonassem voluntariamente os privilégios que possuíam, a repressão e o controle sobre eles seriam desnecessários.

5. A ditadura do proletariado não consiste só, nem principalmente na violência.

As tarefas da ditadura do proletariado não são só tarefas destrutivas, repressivas. A característica principal não é a violência. O aspecto principal é a organização e a disciplina da classe operária, como grupo da sociedade que dirige o resto dos trabalhadores na construção da nova sociedade.

O objetivo do proletariado é destruir as bases em que assenta a exploração do homem pelo homem, transformar todos os elementos da sociedade em trabalhadores, suprimir a divisão da sociedade em classes e estabelecer novas relações de colaboração e solidariedade entre os homens.

Por isso é necessário empreender a tarefa de reorganizar toda a economia, coisa que não é fácil, que não se consegue dum dia para o outro. Além disso não é só a nível econômico que se devem produzir mudanças fundamentais: estas devem atingir todos os aspectos da vida. Uma tarefa constante é combater a enorme força dos costumes herdados da sociedade capitalista.

Para realizar estas tarefas, o proletariado deve esforçar-se por puxar para o seu lado a maior parte das pessoas. Dirigindo corretamente este processo, evitando cair em métodos burocráticos, tendo sempre em conta o interesse imediato das massas, o proletariado conseguirá cada vez mais o apoio da maioria dos trabalhadores para avançar.

6. Algumas características da Comuna de Paris: uma forma de ditadura do proletariado.

A Comuna de Paris é o primeiro caso de governo operário na História. Surge com a tomada do poder político por esta classe social em Paris, e noutros centros industriais da França durante a Primavera de 1871.

A forma como se organizou a Comuna, as medidas que se tomaram, as instituições que o povo criou, foram e continuam a ser uma grande contribuição para a luta do proletariado.

Na Comuna, os vereadores eram eleitos por sufrágio universal nas diferentes divisões administrativas da cidade (como por exemplo as juntas de distrito). Não é isto que é novo nos nossos dias, mas sim o fato dos funcionários serem responsáveis perante os eleitores e revogáveis por estes em qualquer momento. A maioria dos seus membros eram operários ou representantes da classe operária.

A polícia foi retirado o poder político e convertida num instrumento a serviço da Comuna, também revogável a qualquer momento, tal como se fez com os funcionários dos outros ramos da administração.

Os juízes eram também eleitos pelo povo e responsáveis perante ele, que podia destitui-los no caso de achar conveniente.

Todos os que desempenhavam cargos públicos ganhavam salários de operários. Eliminou-se a separação entre os poderes executivo e legislativo. A Comuna passou a ser ao mesmo tempo um organismo de trabalho executivo e legislativo.

A Comuna eliminou a separação entre 0 exército permanente e o povo armado. Nestas breves referências vemos na prática como a ditadura do proletariado é uma democracia muito mais ampla e efetiva do que a ditadura da burguesia. Trata-se apenas de um exemplo que não pode ser seguido da mesma forma em qualquer pais. De fato, na Rússia que foi o primeiro Estado socialista, na China e outros países socialistas deram-se diferentes formas de ditadura do proletariado.

7. A ditadura do proletariado: um dos princípios fundamentais do marxismo.

Depois desta exposição podemos entender melhor porque é que um dos princípios centrais do marxismo, é que para suprimir as classes sociais, para chegar à sociedade comunista é necessário passar por um período de transição política caracterizado pela ditadura do proletariado.

O mais importante na doutrina de Marx não é a luta de classes, a qual, segundo o próprio autor, já tinha sido descoberta antes por pensadores burgueses. É por isso que Lenin afirmava que quem reconhece apenas a luta de classes não é nenhum marxista, pode manter-se na linha do pensamento burguês e da política burguesa. Supor que o marxismo é apenas a doutrina da luta de classes é limitar o marxismo, deturpá-lo, reduzi-lo a algo que a própria burguesia aceita. Só é um marxista aquele que partindo da luta de classes, aceita a necessidade da ditadura do proletariado.

E esta distância profunda que separa um marxista de um vulgar pequeno e também do grande burguês. É isto que prova quem tem e quem não tem uma compreensão e um reconhecimento real do marxismo.

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