quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

O feirão de armas da "era bolsonaro" * Ana Flavia Gussen

  O feirão das armas da "era bolsonaro"

Sob Bolsonaro, é possível adquirir pistolas até por meio de rifas que correm pela Loteria Federal.  O número de registros quadruplicou em três anos

Por Ana Flávia Gussen


Boa parte do armamento liberado por Bolsonaro cai nas mãos do crime organizado

   

A Polícia Civil do Rio de Janeiro e o Ministério Público deflagraram uma operação de combate ao tráfico que acabou por jogar luz à política armamentista do atual governo. Durante o cumprimento dos 20 mandados de busca e apreensão, os agentes chegaram a Vitor Furtado Rebollall Lopes, conhecido como “Bala 40”, na rodoviária de Goiânia, quando ele transportava 11 mil balas de fuzil. Logo depois, um verdadeiro arsenal de guerra foi encontrado em sua casa, no Grajaú, Zona Norte do Rio: 26 fuzis, entre modelos AR-15 e 5.56, fabricados no Brasil, três carabinas, 21 pistolas, dois revólveres, uma espingarda calibre 12, um rifle e um mosquetão, além de caixas com milhares de munições. Só os fuzis foram avaliados em 1,8 milhão de reais e o total apreendido, em 3 milhões.


Tudo legal e autorizado pelo Exército, uma vez que Rebollall era registrado como CAC, sigla usada para designar colecionadores de armas, praticantes de tiro desportivo ou caçadores. Segundo a polícia, o preso possui 43 Certificados de Registro de Arma de Fogo (Crafs) ativos e vinculados ao estado de Goiás, onde adquiria os materiais bélicos e levava de carro até a capital fluminense. O Exército suspendeu as autorizações e cancelou o Certificado de Registro de “Bala 40” quando a operação foi deflagrada.


Rebollall vale-se de uma possibilidade que a legislação faculta, a de que colecionadores possam comprar uma quantidade muito grande de armamentos. Com o auxílio da sua companheira e de outros criminosos, “ele revendia essas armas para integrantes do Comando Vermelho, uma das maiores facções do estado”, diz o promotor Rômulo Santos, integrante do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, o Gaeco.


COM UM ARSENAL DE 3 MILHÕES DE REAIS ADQUIRIDO LEGALMENTE, UM TRAFICANTE REVENDIA FUZIS PARA O COMANDO VERMELHO


Não se trata de um caso isolado. Em setembro de 2020, um narcotraficante ligado ao PCC no Paraguai fez cursos de tiros, adquiriu armas e também possuía o registro do CAC. Após a prisão, o Exército informou que seu registro havia sido cassado em 2017. Ronnie Lessa, acusado pelo assassinato de Marielle Franco, era atirador desportivo e foi acusado de usar autorizações de importação para adquirir fuzis.


Além desta modalidade criminosa, também ganhou força um novo “mercado”, o das rifas para aquisição de armas de fogo. Elas costumam ser divulgadas, sobretudo, em grupos bolsonaristas no Telegram, onde milhares de “apreciadores” buscam realizar o sonho da arma própria, adquirindo bilhetes de loteria por preços módicos, de 7 a 20 reais. “Vocês pediram e é hoje, hein? Taurus G3 9mm por 15 reais! Chega mais que a rifa abriu agora”, dizia um desses anúncios, ao qual CartaCapital teve acesso. “Rifa de uma pistola Rex ­Delta 9mm por 20 reais. Só mil participantes. Com brinde: uma caixa de munição”, anuncia outro. Nos grupos, as pistolas de 9mm parecem ser as “queridinhas” do público. Elas eram de uso restrito das forças policiais, mas acabaram liberadas via decreto presidencial de Jair Bolsonaro.


Ao monitorar grupos de CACs, apreciadores de armas e profissionais de segurança no Telegram, a reportagem de ­CartaCapital encontrou subgrupos voltados apenas para a nova modalidade comercial. Para entrar na rifa, que corre pela loteria da Caixa Econômica Federal, basta entrar no site criado pelas próprias empresas, a maior parte delas de venda de armas e cursos de tiros, e escolher os números. No cadastro não são solicitadas documentações ou comprovantes de posse ou porte de armas. Burocracia zero, e os interessados podem pagar os bilhetes com um Pix direto para os organizadores da rifa, via Mercado Pago ou com cartões de crédito.


Em 2010 e 2014, Onyx Lorenzoni recebeu 200 mil reais em doações da Taurus, presidida por Nuhs

De acordo com as regras descritas nas páginas, a arma só é entregue mediante comprovação de Autorização de Compra e CRAF da Arma, devidamente registrada, ou pela Polícia Federal (SINARM) ou pelo Exército Brasileiro (SIGMA). Caso contrário, o “prêmio” fica retido. No ­site da Caixa Econômica Federal, os objetos são registrados como valores em dinheiro. Uma pistola Glock, por exemplo, corresponde a uma cota de 20 mil reais.


“Para comprar as nossas rifas, é preciso ser maior de 25 anos, ter toda a documentação, exame psicológico, curso de tiro, senão não leva nada. Se não nos mandar a documentação, não tem negócio”, explica o proprietário da Tactical Militaria, Pedro Antônio. A empresa, localizada na cidade goiana de Anápolis, promove as rifas em um grupo do Telegram com 17 mil participantes. A periodicidade é incerta, ocorre “de tempos em tempos”.


Questionado sobre o possível aumento da procura por rifas após a flexibilização do acesso a armas e munição feita pelo governo federal, Pedro Antônio diz discordar que houve um afrouxamento das regras. “Não existe flexibilização. O presidente só tornou mais popular. Diminuiu, inclusive, a quantidade de armas que cada um pode ter, de seis para quatro”, respondeu. Ao contrário do informado pelo negociante, o decreto não reduziu, mas aumentou de quatro para seis o total de armas permitido a cada cidadão. Na categoria dos CACs, contudo, é possível montar um verdadeiro arsenal sem desrespeitar a lei, como mostraremos mais adiante.


Qualquer um pode participar do sorteio, mas o prêmio só pode ser entregue a quem tem autorização

“Partindo do pressuposto de que a Caixa Econômica Federal não tenha restrição interna de sorteio do produto arma de fogo, é necessário que o vendedor esteja habilitado e a arma legalizada e documentada. Com o sorteio da rifa, o ganhador precisa estar totalmente dentro das exigências, como ser idôneo, ter autorização e preencher os requisitos para que a propriedade da arma seja transferida”, explica Raquel Gallinati, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo.


De acordo com a legislação, o Exército é responsável por fiscalizar o comércio, registro e o porte de trânsito de arma de fogo de colecionadores, praticantes de tiro e caçadores. “Cabe destacar que o Exército não compactua com qualquer tipo de ilegalidade eventualmente cometida, repudiando veementemente atitudes e comportamentos em conflito com a lei”, diz a assessoria de comunicação da força, por meio de nota. Procurada por ­CartaCapital, a Caixa Econômica Federal não respondeu aos questionamentos sobre a licitude dos sorteios de armas de fogo pelo banco estatal, tampouco informou as regras e exigências documentais feitas.

Desde que assumiu o governo, Bolsonaro publicou mais de 32 medidas relacionadas ao tema, entre portarias, instruções normativas e decretos, algumas delas cassadas por determinação do Supremo Tribunal Federal. Com isso, o Brasil quadruplicou o número de novas armas registradas a cada ano. Segundo dados da Polícia Federal, o número de registros passou de 51 mil, em 2018, para 202,5 mil no ano passado. 


Zero Dois, Zero Três e o ministro Mário Frias fazem campanha aberta pelo armamento da população civil

Curiosamente, os estados que mais avançaram na corrida armamentista são aqueles que mais entregaram votos a Bolsonaro em 2018. Minas Gerais lidera o ranking, com 24,3 mil novas armas e 31,5 mil autorizações. Depois vem São Paulo, com 23 mil novas armas e 32 mil autorizações. Na sequência, aparecem o Rio ­Grande do Sul, com 19 mil e 27 mil, respectivamente, e Santa Catarina, com 13,6 mil e 17,4 mil, revelam dados enviados pela Polícia Federal à reportagem de CartaCapital.


O vertiginoso crescimento vem no embalo dos CACs. Desde 2019, praticantes de tiro desportivo podem adquirir até 60 armas e os caçadores, 30. Eles também podem comprar até mil munições por ano para cada arma de uso restrito. Fuzis e pistolas de calibre 9mm e .40, antes de uso exclusivo das Forças Armadas e das polícias, agora estão liberadas. Além disso, é possível comprar até 5 mil munições por ano para cada arma de fogo de uso permitido por civis, graças às dezenas de decretos e instruções normativas editadas pelo governo federal e que desmantelaram a legislação anterior.


Com a flexibilização, o Exército emitiu mais de mil novos registros de CAC’s por dia. Em 2019, foram 147 mil registros e, no ano passado, 388 mil, revelam dados coletados pelo Instituto Sou da Paz. As novas regras dão um verniz legal à compra de armas que pode abastecer organizações criminosas. Segundo especialistas ouvidos por CartaCapital, 99% das armas apreendidas foram legais em algum momento.


“VOCÊS PEDIRAM E É HOJE, HEIN? TAURUS G3 9MM POR 15 REAIS!”, ANUNCIA UM VENDEDOR DE RIFA NO TELEGRAM


“Precisamos chamar atenção para outras duas medidas: a presunção da veracidade da declaração de necessidade de se armar e a periodicidade de renovação dos registros, que passou de cinco para dez anos. Nesse período, a pessoa pode, por exemplo, ter alguma doença que o torne incapaz de manusear armas, mas a autorização continua válida”, critica Ivan Marques, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Antes, um delegado analisava a declaração de necessidade, bem como os antecedentes criminais do solicitante, a prova de tiro e o atestado psicológico. Agora, basta o interessado passar nas provas e entregar um papel, acrescenta o especialista. Não existe uma avaliação do risco de a arma cair em mãos erradas ou de contribuir para o aumento da violência. “Não bastasse, o presidente e seus filhos fazem propaganda ativa pelo armamento da população civil.” 


Na avaliação de Marques, essas iniciativas se converteram em uma “política pública”, capaz de baratear o acesso a armas de alto poder ofensivo. Ele destaca especialmente a “arma da moda”, um fuzil que passou a ser fabricado no Brasil pela Taurus em 2017 e vendido amplamente a partir de 2019. “Antes, um narcotraficante precisava pagar de 40 mil a 60 mil reais para comprar um fuzil 5.56. Com a produção interna e a liberação para civis, o fuzil passou a ser vendido no mercado ilegal por 20 mil.”


Fonte: Polícia Federal e TSE


Anteriormente, qualquer arma que disparasse um projétil com energia de lançamento acima de 407 joules era considerada de uso restrito. Agora, o limite passou para 1.620 joules, o que liberou a posse de fuzis para a caça, treinos de tiro e até mesmo proteção de propriedades rurais.


Os efeitos são notados até na balança comercial. Em 2021, o volume de importações de armas cresceu 33%, alcançando 51,2 milhões de dólares, segundo dados do Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), do governo federal, revelados pela BBC Brasil. A compra de revólveres e pistolas do exterior teve alta de 12%. Entre fuzis, carabinas, metralhadoras e submetralhadoras, houve um vertiginoso aumento de 574%.


EM 2021, O VOLUME DE IMPORTAÇÕES DE ARMAS CRESCEU 33%, ALCANÇANDO A CIFRA DE 51,2 MILHÕES DE DÓLARES


O clã Bolsonaro sempre teve fortes vínculos com a indústria armamentista. O deputado Eduardo Bolsonaro, filho Zero Três do presidente, é filiado à Associação Nacional de Rifles dos EUA desde 2018. Com mais de 5 milhões de associados pelo mundo, a entidade é uma das principais interessadas no afrouxamento do Estatuto do Desarmamento no Brasil. 


De 18 a 21 de janeiro, Zero Três esteve em Las Vegas, nos EUA, onde participou da exposição Shot Show e comentou como a “ideologia” da “liberdade do cidadão” da Associação de Rifles norte-americana é a mesma usada por Bolsonaro para legislar sobre armas no Brasil. O parlamentar destacou, ainda, a importância do soft power, termo usado quando um corpo político atua influenciando a cultura e os costumes dos cidadãos. Segundo ele, a política de armas adotada pelo pai tem “salvado vidas”. O Atlas da Violência aponta, porém, que os homicídios voltaram a subir 5% em 2020.


Nos últimos dias, uma compra de 500 fuzis pela Polícia Civil do Rio de Janeiro acabou por envolver o senador Flávio Bolsonaro em mais uma investigação, desta vez por direcionamento de licitação e conflito de interesses, noticiou o portal UOL. A Sig Sauer, empresa alemã com sede nos EUA, venceu o pregão em julho com uma proposta de 3,81 milhões de reais, 2% abaixo do teto estipulado, mas a compra só foi concretizada cinco meses depois, quando Flávio conseguiu a liberação de 3 milhões de reais com a Secretaria Nacional de Segurança Pública, principal estrutura do Ministério da Justiça. A Polícia Civil e o senador negam ter feito l­obby para a empresa. Vale lembrar que o irmão Eduardo Bolsonaro é uma espécie de “garoto-propaganda” da Sig Sauer e chegou a comemorar nas redes sociais quando a empresa recebeu autorização para fabricar pistolas no Brasil, em 2020.


Os seguidores de Bolsonaro não perdem a oportunidade de se fantasiar de Rambo nas manifestações

De 2019 a 2020, os ministérios da Casa Civil, da Defesa, da Justiça e das Relações Exteriores tiveram 73 audiências com representantes do setor de armas, segundo levantamento feito pelos deputados Ivan Valente e Talíria Petrone, ambos do PSOL. À época, a Casa Civil era comandada por Onyx Lorenzoni, que recebeu 200 mil ­reais em doações de campanha da Taurus nas eleições de 2010 e 2014, quando o financiamento de candidatos por empresas ainda era prática legal. A fábrica da empresa, uma das maiores do mundo, fica no Rio Grande do Sul, domicílio eleitoral de Onyx.


Agora está nas mãos do Congresso regulamentar essas medidas. Os parlamentares podem referendar as iniciativas de Bolsonaro, dificultando uma mudança na eventual troca de governo, ou arquivar de vez o PL 3.723/19, de autoria do ex-capitão. Caso o projeto seja aprovado, além de chancelar o emaranhado legal feito pelo Executivo nos últimos três anos, a proposta vai praticamente acabar com o rastreamento de munições, uma vez que desobriga a marcação. O Sou da Paz e o Instituto Igarapé alertam, porém, que o rastreamento é essencial para solucionar crimes. •

Ciente de que vai levar uma surra nas urnas, Bolsonaro está procurando fazer  todas as viagens, inclusive de turismo, que pode as custas do dinheiro do povo brasileiro e, para satisfazer o ego, ele acha que está fazendo o maior sucesso como presidente da República, quando, na verdade, está sendo visto como um presidente de segunda categoria. Na Rússia, foi recebido p vice-ministro das Relações Exteriores, uma espécie de secretário-executivo de um ministério no Brasil.


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