quarta-feira, 29 de junho de 2022

Descaso da formação ideológica causa retrocessos na América Latina * FREI BETTO / SP

 Descaso da formação ideológica causa retrocessos na América Latina

FREI BETTO
A esquerda volta ao poder na América, lembre-se disso!


Para o frade dominicano brasileiro Frei Betto, uma das principais causas dos retrocessos nos governos progressistas na América Latina é o descuido na formação ideológica da sociedade.


Na sua opinião, este não é um fenômeno novo ou típico do continente, pois já havia ocorrido na antiga União Soviética e no restante do Leste Europeu.


Durante sua participação na II Conferência Internacional Com Todos e pelo Bem de Todos, dedicada a José Martí, Betto defendeu esses critérios à luz do pensamento político e anti-imperialista de Martí.


Ele destacou que a região percorreu um longo caminho nos últimos anos, conseguiu eleger chefes de Estado progressistas, conquistar importantes conexões continentais como a aliança Bolivariana, Celac, Unasul, mas erros foram cometidos.

Especificou que um deles foi negligenciar a organização popular, o trabalho de educação ideológica e "é aí que entra José Martí porque sempre se preocupou com o trabalho ideológico", acrescentou.


Segundo o teólogo da libertação, retrocessos em uma sociedade desigual significam que há uma luta de classes permanente. "Não podemos nos enganar, porque o apoio popular aos processos não é garantido dando ao povo apenas melhores condições de vida, porque isso pode causar uma mentalidade consumista nas pessoas", afirmou.


El problema está -afirmó Betto- en que no se politizó a la nación, no se hizo el trabajo político, ideológico, de educación, sobre todo en los jóvenes, y ahora la gente se queja porque ya no puede comprar carros o pasar vacaciones en o exterior.

Em sua opinião, há um processo regressivo porque não se desenvolveu uma política sustentável, não há reforma estrutural, agrária, tributária, presidencialista, política. "Canalizamos uma política boa, mas cosmética, sem raízes, sem fundamentos para sua sustentabilidade."


Ao se referir ao Brasil, espera que não aconteça o pior, a volta do direito ao poder. De acordo com sua análise, isso depende muito de Dilma nos próximos dois ou três anos. "Mas infelizmente, por enquanto, não há sinal de que a política econômica que prejudica os mais pobres e favorece os mais ricos vá mudar", disse.


Afirmou que o consumismo e a corrupção estão matando a utopia nos povos de nossa América, como Argentina e outros, porque -assinalou- as pessoas não têm perspectivas de um sentido de vida altruísta, solidário, revolucionário, vão para o consumismo, e Isso afeta toda perspectiva socialista e cristã, que é desenvolver valores solidários nas pessoas. "A solidariedade é o maior valor do socialismo e do cristianismo", enfatizou.


Betto insistiu que é aí que está a culpa dos governos progressistas. Em sua opinião, não havia um trabalho básico, de formação ideológica do povo.


Acrescentou que a educação para o amor, para a solidariedade, é um processo que deve ser desenvolvido pedagogicamente, e como isso não foi cuidado desde o início, agora as consequências são lamentavelmente enfrentadas.


Al abordar el proceso de distopía, es decir, los intentos de presentar la utopía como algo del pasado, reiteró que en los países como Brasil o Venezuela, los gobiernos se equivocaron al creer que garantizar los bienes materiales equivalía a garantizar condiciones espirituales, y no é assim.


Betto -no caso de Cuba- expressou que o governo revolucionário, que fez um trabalho ideológico de educação política com o povo, foi muito paternalista.


Ele explicou que as pessoas têm encarado a revolução como "uma grande vaca que dá leite a todas as bocas", mas isso não mobiliza as pessoas para um trabalho mais efetivo de consolidação ideológica relacionada, por exemplo, à produção agrícola e industrial.


Ele considerou que, embora admita que pode estar errado, a dependência da União Soviética levou Cuba a se acomodar um pouco, e hoje importa de 60 a 70 por cento dos produtos especiais de consumo e isso praticamente a transformou em uma nação que exporta medicamentos serviços, educadores, profissionais e turistas importadores para obter mais divisas.


Educação política, participação, compromisso efetivo com a luta, adequação da teoria e da prática, é o certo a se fazer e há os exemplos de Martí, de Fidel Castro que viveram dentro do monstro, como no caso de Martí, e que de Fidel que vem de uma família latifundiária e se tornou um revolucionário.


O que aconteceu na consciência de José Martí e Fidel Castro, que tiveram a oportunidade de conquistar um lugar na burguesia, mas tiveram uma liderança evangélica para os pobres e assumiram a causa da libertação?, perguntou-se.


A resposta é aquela que vai nos mostrar o caminho que vamos trilhar para evitar que o futuro da América Latina volte a ser um lugar de grande desigualdade, de grande pobreza, porque corremos o risco de voltar a ser um neo-colônia dos Estados Unidos e Europa Ocidental.


Enfatizou que não é fácil viver em um mundo em que o neoliberalismo proclama que a utopia está morta, que a história acabou, que não há esperança nem futuro, que o mundo sempre será capitalista, que sempre haverá pobres, miserável, e rico, e que, como na natureza, sempre haverá dia e noite e isso não pode ser mudado.


Betto destacou que a direita se junta por interesse, e a esquerda por princípios, e quando a esquerda perde seus princípios. E acrescentou: Quando a esquerda viola o horizonte dos princípios e vai atrás dos interesses, joga a favor da direita.


A tarefa da esquerda é se mobilizar na linha de uma alta formação política e é assim que devemos trabalhar, afirmou.


Sobre o restabelecimento das relações diplomáticas entre Cuba e os Estados Unidos, expressou que a Ilha deve conseguir como estabelecer boas relações com os Estados Unidos e administrar bem a suspensão do bloqueio sem se tornar vulnerável à sedução capitalista.


Ele expressou sua preocupação ao ver jovens cubanos saindo do país para aproveitar a lei de ajuste porque é um sinal de que as pessoas estão correndo contra o tempo para se tornarem cidadãos dos Estados Unidos, "porque no momento em que o bloqueio terminar, essa lei será derrubada ". Mas Cuba tem que se perguntar por que os jovens criados na revolução querem ser cidadãos dos Estados Unidos?


“O perigo aqui, diz ele, é que esses jovens veem a revolução como um fato do passado e não um desafio para o futuro, e quando as pessoas a veem como um fato do passado, já veem as coisas não por seus valores. , pelo seu horizonte revolucionário, mas pelo consumismo”.


O socialismo, assegurou, cometeu o erro de socializar os bens materiais, e não socializou suficientemente os bens espirituais, porque um pequeno grupo poderia ter sonhos de coisas diferentes que poderiam ser feitas, e os demais tiveram que aceitá-las.


“O capitalismo fez ao contrário, socializou sonhos de privatização de bens materiais... E aí vem o sofrimento dos jovens que colocam quatro coisas na vida: dinheiro, fama, poder e beleza, e quando não alcança parâmetros vão sempre aos ansiolíticos, às drogas, vem a frustração dos falsos valores, que vem sempre de onde definimos as nossas expectativas”, concluiu. 

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