domingo, 12 de março de 2023

O Caribe como novo centro de poder na CELAC * Daniel Kersffeld / Página1

 O Caribe como novo centro de poder na CELAC

Daniel Kersffeld / Página1


O Caribe como área geoestratégica tem sido geralmente relegado pelos países do Cone Sul. A grande distância geográfica, mas sobretudo em termos históricos, culturais e políticos, tendeu a ver este arquipélago apenas como sinónimo de férias exclusivas ou paraísos fiscais.


No entanto, e como historicamente foi concebida a partir de Washington com base em teóricos geopolíticos como Alfred Mahan (1814-1914), as Antilhas representam um muro de contenção contra qualquer tentativa de cerco vinda do sul ou do Atlântico. O Mar das Caraíbas, de facto, foi representado como uma espécie de Mar Mediterrâneo tal como o foi na antiguidade para o Império Romano, um verdadeiro Mare Nostrum.

 

Apesar da presença de outras potências coloniais como Reino Unido, França e Holanda, a influência dos Estados Unidos ali foi decisiva nos tempos da Guerra Fria com a instalação de bases militares e navais nas Bermudas, Cuba (Guantánamo), Porto Rico e Honduras.

 

Nas últimas décadas --e com as preocupações dos Estados Unidos localizadas em outros territórios do planeta--as Antilhas se converteram em uma arena de disputa na qual o México inicialmente teve uma presença flutuante. No entanto, começou a se redefinir com a Venezuela, sobretudo a partir da chegada ao poder de Hugo Chávez, num lento processo de conversão política.

 

Com a eleição de São Vicente e Granadinas na Presidência Pro Tempore, a CELAC assume o desafio de que uma nação de dimensões mínimas governe um bloco de vasta extensão territorial. Esse bloco apresenta fortes tensões internas entre seus sócios, somadas às complexidades de sua relação com os Estados Unidos e outros polos de poder em ascensão, como China e Rússia.

 

O país que vai liderar a CELAC tem suas peculiaridades: é habitado por 110 mil pessoas em 387 km2 distribuídos em 32 ilhas. São Vicente é a maior e mais populosa: o restante do território se estende até o arquipélago das Granadinas, que agrupa mais de 600 ilhas e ilhotas.

 

Como várias ilhas do Caribe, São Vicente foi sucessivamente uma colônia espanhola, depois francesa e, a partir de 1796, também britânica. A sua independência foi tardia, em 1979. Embora seja uma nação "meio" soberana: por enquanto continua a fazer parte do império britânico com um grau significativo de autonomia.

 

Desde 2001, o país é liderado por Ralph Gonsalves, primeiro-ministro do Partido Trabalhista de Unidade, partido de esquerda criado em 1994 e que há mais de duas décadas integra o Foro de São Paulo.

 

Além de suas conquistas sociais e educacionais, Gonçalves - "Camarada Ralph" - buscou uma política externa ativa. O país é protagonista do bloco da Comunidade do Caribe (CARICOM) e é considerado aliado do grupo de países bolivarianos: é um dos sócios fundadores da ALBA-TCP, bloco regional que Venezuela e Cuba formaram em grande parte do centro e da América do Sul.

 

Mas uma das maiores conquistas da política externa de Gonçalves foi se tornar membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas para o período 2020-2021. Assim, São Vicente e Granadinas prevaleceu amplamente sobre o outro candidato latino-americano, El Salvador, patrocinado pelo governo dos Estados Unidos.

 

Desde o ano passado, San Vicente tornou-se um dos centros mais rebeldes da Comunidade do Caribe, em busca de seu próprio futuro como um regime democrático e republicano. É clara a sua crescente rejeição à família real britânica e, sobretudo, ao novo monarca Carlos III.

 

Durante a viagem caribenha dos condes Eduardo e Sofía de Wessex no final de abril de 2022 pelo jubileu de Elizabeth II, houve protestos em São Vicente pelo não reconhecimento dos danos causados ​​pelo tráfico de escravos na região. No meio da turbulência na ilha, Gonçalves propôs em outubro passado a realização de um próximo referendo para definir os destinos do país.

 

Apesar de suas limitações territoriais, São Vicente e Granadinas tem se caracterizado em termos estratégicos na OEA, por suas posições contra o intervencionismo e o governo dos Estados Unidos em seu bloqueio a Cuba.

 

É de se esperar que a atuação de São Vicente à frente da CELAC não se desenvolva sozinha: aproveitará seus amplos vínculos políticos para se movimentar em bloco, como ocorre na OEA, onde os dez votos do grupo caribenho pode ajudar a promover iniciativas ou contribuir para rejeitá-las decisivamente.

 

Na presidência do bloco, Ralph Gonsalves certamente receberá o apoio da Comunidade do Caribe (CARICOM) e talvez também dos países da ALBA. E em situações adversas, é de se esperar que o grupo de governos progressistas da região contribua para sua manutenção.

 

O eixo principal de sua gestão provavelmente será atravessado pela maior preocupação de San Vicente atualmente: a mudança climática que causa furacões frequentes e cada vez mais violentos na região e ameaça o turismo, uma das poucas atividades lucrativas hoje para as nações caribenhas.

 

A eleição de São Vicente e Granadinas como chefe da CELAC mostra uma saudável reorganização do eixo de poder dentro da organização, na qual, além de Brasil, México e Argentina, um grupo de ilhas que podem ser chaves para a construção de um agenda política renovada na região.

*

*
USA ILUDE EUROPA
....

Nenhum comentário:

Postar um comentário