domingo, 13 de agosto de 2023

Júlio Escalona * Orlando Villalobos Finol/VE

Júlio Escalona
Orlando Villalobos Finol/VE

*Dissidência e política rebelde*
(Valência, 9 de janeiro de 1938 – Caracas, 10 de agosto de 2023)


Julio Escalona Ojeda é venezuelano, representa um imaginário, uma tendência que vai além da política e se torna uma explosão cultural, artística e poética; Por fim, o patrimônio imaterial. Como ele, outros semearam pátria e abriram sulcos.

Além de qualquer reconhecimento, é preciso considerar também que as lutas de ontem deram lugar a muitos direitos de hoje; que a mudança social é uma trama complexa e difícil, e ela avança apesar das barreiras e choques.
Ao longo de várias décadas, a voz de Julio Escalona surge para questionar e duvidar, criticar e discordar de políticas e governos. Procure sempre abrir caminhos para o contra-hegemônico e o alternativo. Levante bandeiras revolucionárias, e essa palavra já diz o suficiente.

Na década de 1950, foi ativista contra a ditadura de Pérez Jiménez, na década de 1960 foi estudante de economia na UCV e líder estudantil, na década de 1970 deu uma guinada brusca e ingressou na Liga Socialista, "para uma política aberta e legal , e aventurar-se nas instituições burguesas” -em suas palavras-. Nas décadas de 80 e 90 participou de experiências de organizações sociais. A partir de 1984 ingressou como professor na UCV. Com a vitória eleitoral de Hugo Chávez em 1998, a política venezuelana mudou. No período 2010-2014 foi nomeado embaixador suplente permanente na ONU. Por mais de 15 anos foi colunista do jornal Ultimas Notícias.

Seu nome está ligado a processos de luta pela democracia e pelo socialismo, pela superação da desigualdade e pela “conquista do céu pelo assalto”, lema do maio francês. Foi um militante, ativista e protagonista da política venezuelana, tenaz e generoso, polêmico e arriscado. Colheu vitórias e muitas vezes reconheceu seus erros e derrotas, como quando entendeu que havia sido derrotado o movimento insurgente e guerrilheiro dos anos 1960. Ou quando a esquerda caiu na divisão e no debate que não ia a lugar nenhum.

*Navegar sem afundar*

A história viva registra nomes e episódios, decisões e omissões, vidas e paixões, nas quais encontramos ensinamentos e chaves para entender os cenários atuais e, como dizem os velhos marinheiros, navegar sem afundar. Julio Escalona é, sem dúvida, um desses nomes ou personagens.

Nasceu em Valência, perto de Campo de Carabobo, em 9 de janeiro de 1938. Faleceu em 10 de agosto de 2023. De família camponesa, soube das limitações econômicas.

Acompanhando seu pai José Elías Escalona, ​​um camponês que buscava sua vida desde antes do amanhecer, uma vez como vendedor ambulante e depois como lojista, no cruzamento da rua López com a avenida Montes de Oca, no sul de Valência.

Ele estudou na escola secundária Pedro Gual, em Valência. Iniciou seus estudos de economia em outubro de 1956, na UCV. Morava na residência universitária, por isso desde cedo soube da distribuição de panfletos, marchas e proclamações contra a ditadura de Pérez Jiménez. Ele promoveu a greve dos universitários em 21 de novembro de 1957 – a partir de então o dia 21 de novembro é comemorado como o Dia do Estudante Universitário. Também acompanhou a insurgência militar de 1º de janeiro de 1958, em Maracay, comandada pelo Coronel Hugo Trejo. Essas ações adicionaram água à tempestade que finalmente se originou em 23 de janeiro de 1958, que acabou com a ditadura.

Formou-se em 1961. Nessa época já fazia carreira na militância política. Nesse ano participou como líder juvenil da fundação do MIR, partido que se separou do AD.

*Os jovens do MIR*

No início da década de 1960, ele se expressou nos debates ocorridos na AD. Do governo, esse partido promove e executa políticas em favor dos poderosos. Com Rómulo Betancourt na presidência da república, a AD renunciou a muitas de suas bandeiras de justiça social e se conformou com a política traçada pelos Estados Unidos.

Depois da ditadura há um rearranjo de forças e classes. As reivindicações e mobilizações dos trabalhadores são reprimidas. Líderes como Prieto Figueroa, Paz Galarraga e Salón Mesa Espinoza compõem o AD, partido do governo, uma corrente intermediária e mediadora, que algum tempo depois, em 1967, deu origem ao MEP. Na AD havia a presença de uma corrente de esquerda que em maio de 1960 se transformou no MIR.

*A Juventude do MIR* da qual Escalona fez parte alimenta essa formação política. Entre as principais lideranças estão *Domingo Alberto Rangel, Moisés Moleiro e Américo Martín. Julio Escalona* aparece entre os fundadores do MIR.

Nesse início dos anos 60, foi *presidente da Federação dos Centros Universitários, FCU, da UCV,* esteve presente num Festival Mundial da Juventude em Viena e fez digressões pela URSS (Moscovo e Arménia). , Hungria, Checoslováquia, Roma , Sicília e Tunísia.

Em 1962, foi emitido um mandado de prisão contra ele por incitação à rebelião, acusação que foi usada contra dissidentes políticos. Em 1966 ingressou no movimento de luta armada no leste do país. Ingressou na *Frente Guerrilha Antonio José de Sucre*, como parte de seu comando. Já em 1969 redigiu o documento da Célula Dante, que estabelecia uma posição no que se convencionou chamar de "processo de questionamento interno do MIR". As ideias ali apresentadas tornam-se uma referência dentro do debate.

As divergências que ocorrem na frente guerrilheira culminam em sua renúncia ao comando. _“Era uma forma de dizer a todo o MIR e à sua juventude corajosa que não partilhava da política e dos métodos dos outros membros do comando guerrilheiro (…) não eram intocáveis. Hoje podem ser comandantes e amanhã soldados”_, nota Juan Medina Figueredo (2010. Século XXI. Educação e revolução, Valência, p. 61). Ele anuncia que permanecerá como combatente. Essa posição é mantida por um curto período de tempo. *Os guerrilheiros juvenis do MIR, influenciados por Julio Escalona, ​​​​e por Jorge Rodríguez* nas cidades, são acusados ​​de fracionamento. A frente guerrilheira está dividida. *Escalona juntamente com Jorge Rodríguez, Fernando Soto Rojas e Marcos Gómez,* como principais articuladores, *fundaram em 1969 a Organização dos Revolucionários*.

O movimento alternativo à política do sistema encerrou os anos 60 muito fraco. Ele não entende muito bem o que acontece depois da ditadura e vive o assédio e a repressão aberta de uma política terrorista de Estado que tortura, assassina e deixa uma longa lista de desaparecidos. São tempos de “guerra fria” e aplica-se a doutrina de segurança nacional, que leva a chancela do Departamento de Estado. Os governos AD e Copei aplicaram uma lógica amigo/inimigo. Nessas condições como conseguir espaços para a política. Esta reflexão corre para a esquerda, dada a urgência de alcançar os canais populares. Escalona e outros propõem combinar as formas de luta e organização; social, político, aberto, legal e político.

*Surge a Liga Socialista*

Para as eleições de 1973, várias políticas eleitorais foram tentadas a partir da esquerda. O MAS postula *José Vicente Rangel* como seu candidato presidencial, que obtém 4,2 por cento dos votos. O deputado tropeçou. Prieto Figueroa nas eleições anteriores, em 1968, obteve 20% dos votos. A lógica indicava que deveria repetir como candidato, mas resolveu mudar de rumo e apareceu a opção de Paz Galarraga. Ele só tem 5%. Era a esquerda eleitoral e parlamentar. A esquerda radical saiu da derrota e olha em diferentes direções, em alguns casos participando, em outros mantendo o apelo à abstenção. Julio Escalona, ​​Domingo Alberto Rangel e outros propõem a via do voto nulo, participam criticando, na tentativa de estar “onde estão as massas”.

A campanha do voto nulo é realizada e comitês são formados em algumas vilas e cidades. Deve-se notar que uma *Frente Socialista Revolucionária* é temporariamente constituída que incentiva a unificação com base em uma tática eleitoral comum. A revista *Trimestre Ideológico* (janeiro-março de 1973. No. 14, Caracas, p. 84-90) que surgiu do Congresso Cultural de Cabimas, dirigido por *Pedro Duno, J. R, Núñez Tenorio e Luis Cipriano Rodríguez * publicou um dossiê sobre os pronunciamentos desta Frente.

Como corolário do evento, já foram lançadas as bases para o surgimento de uma organização legalmente constituída: *Liga Socialista.* O núcleo fundador é formado por Jorge Rodríguez, Carmelo Laborit, Norelkis Mesa, Esther Añez, Orlando Yajure, Juan Medina Figueredo, Oscar Bataglini e outros. Os líderes do OR permanecem na clandestinidade. Ainda não havia condições de aparecer publicamente.

Escalona é um dos principais autores de ensaios que foram amplamente divulgados na década de 1970 e deram luz e sustentação às organizações populares: “Voto para quê?”, “A tática do voto nulo”, “A abstenção eleitoral e a necessidade de uma tática revolucionária” , “A PAC moderniza o capitalismo dependente” e “É preciso trabalhar sem falta onde estão as massas”. Essas obras circularam em formato de livro. Serviam de sustento para o trabalho político.

A Liga Socialista cumpriu uma missão: promover a organização popular, recuperar forças, levantar uma opção política diferente.

Cresceu nas principais cidades venezuelanas. Em 1978, foi registrada a vitória de conseguir a eleição para deputado de David Nieves, que estava preso. Como pontos fortes, a política da Liga germinou nas universidades, no trabalho sindical e nos bairros pobres. Aliado a outros movimentos e partidos de esquerda, venceu eleições sindicais – no sindicato dos aços de Guayana, no sindicato dos elétricos de Maracaibo, entre eles – e em federações e centros universitários. Sua principal fraqueza era o espírito da seita, que perfurava para a esquerda. Ele proclamou que a pessoa deve se unir com o maior número possível. Na verdade, ele hesitou em dar esse passo. Em 1976 sofreu o severo revés do assassinato pela polícia política do governo de seu secretário geral, Jorge Rodríguez. Este acontecimento revela a política repressiva do governo do Estado.

O relógio mudou. Em 1978, Luis Herrera Campíns foi eleito presidente. Uma série de líderes políticos que se juntaram ao LS foram legalizados: Julio Escalona, ​​Marcos Gómez, Fernando Soto Rojas e outros. Escalona passa a ocupar o cargo de secretário-geral e lá permanece até o início de 1985. Em 1983 David Nieves foi reeleito deputado, mas esperava-se mais. Houve timidez nas alianças eleitorais, novamente sectarismo.

O debate político e as tensões crescem na Liga. Julio propõe o reconhecimento das correntes internas e a transformação do Comitê Nacional em um centro de coordenação das propostas e iniciativas em desenvolvimento. Isso não é aprovado e ele renuncia ao cargo de secretário-geral. Ele se retirou da Liga alguns meses depois.

*A ecologia do bem-estar*

Desde 1985, dedica-se ao ensino universitário na UCV. Foi professor, pesquisador e diretor da Faculdade de Economia.
Ele foi em frente promovendo outra política.

Dá ênfase às organizações sociais, às formas de articulação e coordenação. Organizou o Primeiro Congresso Venezuelano de Tecnologia Popular e o Primeiro Encontro de Soluções Alternativas, na Faculdade de Ciências Florestais da ULA.

Na UCV foi o arquiteto do Congresso Internacional de Direitos Humanos.
Nesta linha reflexiva e prática, publicou em 1991 o livro "Rumo a uma ecologia do saber", com o apoio da UCV e do Conac. Na década de 1990, apoiou, acompanhou e organizou grupos de estudo e trabalho em Caracas, Maracaibo, Barquisimeto, Valência e outras cidades.

Fá-lo a partir da ecologia do bem-estar: “com um tecido cultural diverso e multicolorido, ecológico e espiritualista; com sua rede de comunicação alternativa e organizações comunitárias e a escola como centro de vida, geradora de aprendizagem dentro e na comunidade; com a agricultura do conuco (hortas familiares, cultivo mínimo, fazendas integrais, compostagem, irrigação por gotejamento, recuperação e conservação de sementes originais e de espécies vegetais e animais; alimentação e culinária; medicina natural e popular, construção com materiais antigos (barro arquitetura) e novos materiais” (Juan Medina, 2010, p. 87).

Em 2010 assumiu como embaixador suplente na ONU. Com mais possibilidades, ele espalha sua visão mais amplamente, participando de programas de rádio e televisão.

Naquele ano, ele patrocinou a criação de Patria Urgente, uma página da web para reunir informações e interpretações sobre a situação venezuelana.

*Não é o mesmo*

Além dos livros já citados, destacamos estes três de sua autoria: “Geopolítica da Libertação. O século XXI de Chávez” (2016), editorial El perro y la rana; “Produção, um milagre ecológico. O que a economia não entende” (2020, editorial Trinchera); e “Puntofijismo e 23 de janeiro de 1958, a rebelião como processo”, editorial El perro y la rana.
Publicou artigos em diversas publicações. Em Política Externa e Soberania nº 3, julho-setembro de 2007, publicou: “O inédito da revolução venezuelana”, onde examina o diálogo entre ciência, espiritualidade e filosofia.

Para Julio Escalona, ​​​​e para aqueles que defendem seus ideais com ardor, paixão e convicção, valem as palavras pronunciadas por *Cristina Fernández de Kirchner* (17 de novembro de 2022. Diario Página 12):

_"Não é a mesma coisa errar e que quando se erra é a própria vida e o próprio couro que põe, do que os dirigentes políticos que se equivocam com a dor do povo e a miséria do povo e nunca pagam nada. Não é a mesma coisa mesmo errar (...) por ter jogado um projeto político que causa dor sem assumir o comando”._

FONTE
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