sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Da Grande Depressão ao neoliberalismo * Juan J. Paz-y-Miño Cepeda

Da Grande Depressão ao neoliberalismo
Juan J. Paz-y-Miño Cepeda

O neoliberalismo introduzido na região nas últimas décadas do século XX eliminou todos os projetos de economia social. Foi um regresso ao capitalismo de “livre concorrência”, com os slogans de redução das capacidades do Estado, privatização de bens e serviços públicos, abolição de impostos, mas, acima de tudo, flexibilização das relações laborais, destruição dos direitos dos trabalhadores.

A sem precedentes Grande Depressão, desencadeada em 1929 com a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, teve graves repercussões, durante uma década, na economia capitalista mundial. Afectou também a América Latina, afectando a queda das suas exportações, encarecendo as importações, tornando impagáveis ​​as dívidas externas, estrangulando os rendimentos do Estado e restringindo os investimentos públicos e privados. Se o desemprego e a miséria cresceram nos Estados Unidos, na América Latina cresceram essas consequências sociais, além de causarem instabilidades políticas e institucionais.

Nos EUA e na Europa, a crise demonstrou a falta de controlo que o modelo de “livre concorrência” tinha alcançado. Na América Latina, por outro lado, com economias subdesenvolvidas e apenas alguns países em descolagem capitalista, a crise mostrou a persistência de regimes oligárquicos. Para resolver a crise, o presidente norte-americano Franklin D. Roosevelt (1933-1945) testou políticas económicas e sociais sem precedentes que romperam com os dogmas da teoria económica liberal clássica. Implementou o New Deal, que inaugurou o papel ativo do Estado: sancionou empresários desonestos; fez grandes investimentos públicos; preços e juros regulamentados; impôs impostos elevados, especialmente sobre o rendimento; estabeleceu o sistema de seguridade social e garantiu os direitos trabalhistas; concedeu subsídios e auxílios (“bônus”) para moradores em situação precária; gerou empregos em todos os tipos de atividades; Impulsionou o consumo interno, o que serviu para aumentar a oferta. Em cem dias a crise foi controlada. Nos anos seguintes, foram reforçadas novas políticas destinadas a criar uma economia de bem-estar social nos EUA e Roosevelt foi reeleito três vezes.

No quadro da crise mundial, na Europa, a trilogia do fascismo, do nazismo e do falangismo foi a resposta política ao avanço dos partidos comunistas e dos movimentos operários radicais em Itália, Alemanha e Espanha, respetivamente. Mas assim que a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) terminou, o modelo de economia social de mercado espalhou-se pelos países europeus como base dos seus estados de bem-estar social. No fundo, rompendo também com a ortodoxia liberal, implementou-se a participação activa do Estado na economia, com generalização da segurança social pública, amplas garantias dos direitos dos trabalhadores e pesados ​​impostos.

Na América Latina foi difícil superar as economias subdesenvolvidas, porque a descolagem capitalista exigiu a derrubada da hegemonia oligárquica. Com a Revolução de 1910 e a pioneira Constituição social de 1917, o México iniciou o processo de superação do regime oligárquico; mas as bases para uma economia social foram estabelecidas com o presidente Lázaro Cárdenas (1934-1940). No Brasil, caminho semelhante foi alcançado durante o governo de Getulio Vargas (1930-1945) e a implementação do Estado Novo. Na Argentina foi Juan Domingo Perón (1946-1955) quem procurou consolidar um Estado de bem-estar social. Os três governantes “populistas”, assim descritos pela literatura sociológica clássica, com as contradições e limites que se quer apontar, exemplificam a busca por uma economia social, distante dos postulados da economia capitalista de livre concorrência.

A possibilidade de criar economias sociais com estados de bem-estar social em outros países latino-americanos também apareceu nas décadas de 1920 e 1930. O Uruguai, por exemplo, iniciou esse caminho em 1925, a Costa Rica o mesmo, e o Equador após a Revolução Juliana e seus governos entre 1925- 1931. Mas foi nas décadas de 1960 e 1970, com a descolagem do desenvolvimentismo como modelo industrial e do forte intervencionismo estatal, que os regimes oligárquicos foram efectivamente superados e o desenvolvimento capitalista definitivo da maioria dos países latino-americanos foi promovido. Em vários deles, como no Equador, ele até favoreceu o programa Aliança para o Progresso, patrocinado pelos EUA, ao qual as oligarquias tradicionais resistiram e qualificaram de “comunista”.

Apesar dos processos históricos recorrentes de implementação de economias sociais, comparáveis ​​aos da Europa ou do Canadá e mesmo aos dos EUA antes da "reforma neoliberal" inaugurada pelo presidente Ronald Reagan (1981-1989), que abandonou o modelo Roosevelt e implementou o neoliberalismo, as economias de bem-estar não puderam ser mantidos ou consolidados na América Latina. Houve um travão permanente às oligarquias tradicionais e às novas burguesias, porque a sua acumulação de riqueza sempre dependeu da redução das capacidades dos Estados, da redução de impostos sobre os seus lucros e das suas empresas, mas sobretudo, da exploração da força de trabalho, no que existe uma longa história que pode muito bem remontar aos tempos coloniais.

O neoliberalismo introduzido na região nas últimas décadas do século XX eliminou todos os projetos de economia social. Foi um regresso ao capitalismo de “livre concorrência”, com os slogans de redução das capacidades do Estado, privatização de bens e serviços públicos, supressão de impostos, mas, acima de tudo, flexibilização das relações laborais, destruição dos direitos dos trabalhadores. As consequências desastrosas deste modelo são encontradas em qualquer país latino-americano. Assim, foram os governos do primeiro ciclo progressista da primeira década do século XXI que retomaram a construção das economias sociais, em circunstâncias históricas diferentes das do passado. Conseguiram recuperar as capacidades do Estado, realizar amplos investimentos públicos, fortalecer e ampliar os serviços públicos, impor sistemas de redistribuição de riqueza, bem como garantir direitos sociais, trabalhistas e ambientais, ao mesmo tempo em que conduziam políticas internacionais baseadas em governos soberanos, nacionalistas e latino-americanistas.

Depois desse ciclo vieram as restaurações conservadoras que reviveram o caminho neoliberal. Contudo, no segundo ciclo progressivo, são novamente feitas tentativas para restaurar as economias sociais. No México, o presidente Manuel López Obrador alterou o passado, inaugurando a nova direção. Em apenas seis meses, o presidente Lula da Silva retomou as reformas com uma melhoria significativa nas condições sociais no Brasil. Na Colômbia, o presidente Gustavo Petro avança, ao mesmo tempo que enfrenta a consolidação da paz. Na Argentina, o presidente Alberto Fernández é outro exemplo do caminho progressista. Mas em todos os países despertam uma resistência furiosa por parte das elites económicas do poder. Eles não estão dispostos a derrotar o neoliberalismo com economias sociais que agora chamam de “comunistas”. E neste jogo de forças opostas, as eleições presidenciais no Equador em 20 de agosto reflectem as mesmas circunstâncias históricas que vive a América Latina: amplos sectores progressistas que anseiam pelo bem-estar, em oposição às elites privadas que só estão interessadas em garantir bons negócios, em as melhores condições de rentabilidade, sem propostas sociais.
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