terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

A CONFERÊNCIA DA CIA EM MUNIQUE José Consola/CNC-Espanha

A CONFERÊNCIA DA CIA EM MUNIQUE
José Consola

Entre 17 e 19 de fevereiro de 2024, foi realizada a chamada Conferência de Segurança de Munique (1). Nele, um documento de 127 páginas intitulado Perder-Perder? (Perder-perder?) que não tem desperdício (2).

Segundo o referido documento, o mundo está dividido em dois hemisférios, mas não em hemisférios geográficos, mas sim no hemisfério “autocrático” e no hemisfério “democrático”. Este último é evidentemente representado pelos ilustres participantes da referida conferência, da qual farei uma breve revisão. Mas antes, pode ser ilustrativo conhecer algumas expressões do referido documento:

“A China, talvez o maior beneficiário da ordem económica liberal, e outros rivais autocráticos sentem que os Estados Unidos estão a restringir as suas aspirações legítimas e estão a pressionar fortemente por uma fatia ainda maior do bolo [...] Na Europa de Leste, as ambições imperiais de Moscovo iniciaram uma guerra e minaram todas as visões de segurança cooperativa para o futuro previsível [...] Muitos observadores temem uma escalada semelhante de violência no Indo-Pacífico. A crescente militarização da periferia marítima da China já está a suscitar receios de que Pequim esteja a tentar transformar a Ásia Oriental no seu território e esfera de influência exclusivos.

No Ocidente, cada vez mais governos preferem restringir a procura de benefícios mútuos a Estados com ideias politicamente semelhantes. Face ao revisionismo autocrático e à “armamentização da interdependência económica”, os líderes democráticos liberais intensificaram com sucesso a cooperação dentro de grupos baseados em valores, desde a UE e a NATO até ao G7 […] “deveríamos negociar mais com os nossos amigos do que com os nossos adversários ou concorrentes, mesmo que isso signifique incorrermos em perdas de bem-estar [...] Uma distinção mais clara entre “amigos” e “adversários” aplica-se tanto à segurança como à economia... Da perspectiva da maioria dos europeus, a segurança não pode não poderá mais ser alcançada juntamente com a Rússia, mas apenas contra ela [...] A guerra tornou-se assim “o princípio organizador da vida russa” e “razão para toda a maquinaria do Putinismo”.

Curioso paradoxo, pois os redatores deste relatório são os porta-vozes do “hemisfério democrático” que desde o final da Segunda Guerra Mundial encheu o planeta de guerras, massacres, genocídios, destruições, fomes e misérias. Por que outro motivo atribuiríamos a organização dos golpes de estado latino-americanos da década de 1970 às suas consequências de tortura e assassinato? O golpe de Estado indonésio, a guerra em curso contra o Irão, a destruição da Checoslováquia, o genocídio do Vietname, a destruição do Iraque, da Líbia e da Síria. Os massacres no Uganda e no Burundi, a invasão da Somália, as invasões do Haiti, a destruição do Iémen, os golpes de estado no Paquistão... E não falemos das “revoluções coloridas” no Quirguizistão, na Tunísia, na Geórgia, no Egipto, na Arménia, Birmânia, Cazaquistão, Bielorrússia, Sérvia [...] Porquê continuar? Há documentação suficiente sobre todos eles, caso alguém esteja interessado, basta dar uma olhada no estudo intitulado "Introducing the Military Intervention Project: A New on US Military Interventions, 1776-2019" realizado pela pesquisadora Sidita Kushi, do Departamento de Ciência Política da Bridgewater State University (3).

E a documentação suplementar em: Documentação Suplementar Online: “Introduzindo o Conjunto de Dados do Projeto de Intervenção Militar sobre as Intervenções Militares dos EUA, 1776–2019” (4).

Mas a chave não está na pantomima da reunião de Munique, em que os lacaios pagos por aqueles que tomam as decisões vêm para tagarelar publicamente, mas nos chamados “Retiros Estratégicos de Munique” (anteriormente “Fóruns Estratégicos de Munique”) que reúnem a um grupo exclusivo de 30 a 50 líderes e pensadores de alto nível num ambiente privado e informal para promover o debate estratégico sobre opções de política externa e de segurança internacional e o desenvolvimento de prioridades estratégicas para a Alemanha, a Europa e a comunidade transatlântica. Além disso, as ideias e argumentos trocados fornecem contributos e orientações para todas as outras atividades da MSC (Conferência de Segurança de Munique).

Atualmente, os Retiros Estratégicos de Munique são realizados uma vez por ano no Schloss Elmau, no sul da Alemanha (5), e é lá que são tomadas decisões estratégicas que são posteriormente adotadas por governos, ONGs e outras ervas, como o Movimento Europeu, conforme expresso em seu site oficial: “Juntos pela Europa: tudo começa com você. Imagine um futuro onde toda a Europa seja segura, democrática e livre. Agora precisamos da sua ajuda. Apoie a segurança europeia, proteja a democracia e a liberdade e apoie a Ucrânia. Junte-se a nós para construir um amanhã mais brilhante, mais seguro e mais unido” (6).

Durante o evento deste ano, podemos distinguir, por um lado, os tagarelas das diversas mesas redondas nas quais, como papagaios, os seus participantes repetem os slogans que lhes foram previamente encomendados. Por outro lado, aqueles que não se destacaram pelas arengas, mas controlaram tudo o que precisava ser controlado.

Alguns destes últimos foram: Fórum Econômico Mundial, Open Society Foundations, Fundação Bill & Melinda Gates, Organização Mundial da Saúde, Coalition for Epidemic Preparedness Innovations, GAVI The Vaccine Alliance, Banco Mundial, Goldman Sachs Bank, Deutsche Bank AG, European Investment Bank, Allianz SE, Ernst & Young, Deloitte, Amazon Web Services, Google, Microsoft Corporation [...] Autênticos representantes do verdadeiro poder corporativo, daqueles que ordenaram a paralisia da economia mundial em 2020 com o subterfúgio de uma pandemia, os grandes bancos euro-norte-americanos, as grandes empresas internacionais de consultoria jurídica e as redes globais de desinformação (7).

Quanto aos “correveidiles” lacaios destas grandes corporações representativas do “hemisfério democrático”, merece destaque a “Sessão Noturna”. Rebeldes com uma Causa: Vozes da Resistência Civil” (“Sessão Noturna. Rebeldes com uma Causa: Vozes da Resistência Civil”) realizada no dia 17 de fevereiro, das 22h às 23h. Mesa redonda na qual participaram os seguintes funcionários da CIA: Svetlana Gueorguievna Tijanovskaya (organizadora das tentativas de golpe na Bielorrússia); Zin Mar Aung (com a mesma função em Mianmar); María Angelita Ressa (com igual, função nas Filipinas); Masoumeh “Masih” Alinejad-Ghomi (líder contra o governo iraniano que trabalha em tempo integral para a VOA Pérsia), o braço de propaganda financiado diretamente pelo Broadcasting Board of Governors (BBG).

A grande criminosa americana Hillary Clinton atuou como moderadora do evento. Como chefe da política externa dos EUA, Clinton executou a maior venda de armas da história do seu país, com um recorde de 66,3 mil milhões de dólares em 2011, mais de três quartos do mercado mundial de armas. Em 2011 promoveu com entusiasmo a invasão da Líbia em 2011, a entrega de armas e financiamento aos chamados rebeldes sírios. Na América Latina, a sua posição mais explícita foi a que adoptou em resposta ao golpe de Estado nas Honduras e à expulsão do Presidente Manuel Zelaya do seu próprio país. Ela mesma reconheceu isso em seu livro Hard Choices (8).

Esta é uma breve sinopse da chamada “Conferência de Segurança de Munique 2024”.

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