sexta-feira, 22 de março de 2024

O Exército dos EUA está instalado na hidrovia Paraguai-Paraná: até onde vai sua interferência? Sergio Pintado/Sputnik

O Exército dos EUA está instalado na hidrovia Paraguai-Paraná: até onde vai sua interferência?

Um acordo assinado entre Argentina e Estados Unidos permitirá ao Exército dos EUA instalar seu Corpo de Engenheiros na hidrovia por onde sai grande parte da produção do Cone Sul. Em diálogo com a Sputnik, o analista Cristian Riom alertou que os EUA terão interferência no comércio exterior da região.

Sergio Pintado (Sputnik).— Um acordo assinado entre os governos da Argentina e dos Estados Unidos dá ao Exército dos EUA uma interferência na hidrovia Paraguai-Paraná, um dos canais mais importantes para o comércio na Argentina e em todo o Cone Sul da América do Sul. O documento, assinado nos primeiros dias de março, poderá até dar a Washington o controle sobre o destino das mercadorias que partem para países como a China.

Segundo o site da Embaixada dos EUA na Argentina, o acordo estabelece “cooperação técnica” entre a Administração Geral de Portos da Argentina (AGP) e o Corpo de Engenheiros do Exército dos EUA, ramo encarregado da construção militar e das obras civis ao serviço. da Defesa dos EUA.

Um comunicado da AGP informa que o acordo está focado na “troca de informações e gestão” e que permitirá “a implementação de novas formações em aspectos de gestão de portos e hidrovias navegáveis, manutenção da navegação e equilíbrio ambiental, desenvolvimento de infraestrutura, etc.”.
Quanta influência isso terá?

A AGP destaca ainda como pano de fundo que o Corpo de Engenheiros já administra a hidrovia do Rio Mississippi nos EUA, “que compartilha muitas características” com a Hidrovia Paraguai-Paraná.

Mas, enquanto o governo argentino apresenta o acordo como uma conquista para fortalecer o canal de navegação, algumas vozes alertam sobre as implicações de o Exército dos EUA começar a ter participação no canal.

“O acordo fala sobre informação e gestão, portanto o Exército dos EUA passará a ter informações em primeira mão, com seu pessoal no território, sobre movimentações, infraestrutura e outros aspectos de gestão. Além disso, terá o poder de influenciar as decisões das autoridades argentinas em relação à gestão do recurso”, disse à Sputnik o analista internacional argentino Cristian Riom.

O especialista destacou a importância que a hidrovia tem para o comércio argentino e regional, pois liga a Bolívia, o Paraguai e a região brasileira de Mato Grosso ao Rio da Prata e ao Oceano Atlântico, além de ser fundamental para a produção de cereais argentina. “Aproximadamente 70% da produção do Paraguai e 80% da produção argentina de commodities agrícolas e produtos manufaturados saem pela hidrovia”, observou.

O analista destacou ainda a sua importância para o comércio ilegal, uma vez que costuma ser uma rota de saída para a Europa da cocaína produzida na América do Sul e de recursos extraídos pela mineração ilegal. “É estratégico que a Argentina e os países da região tenham um controle efetivo desta estrada”, afirmou Riom.

Principais recursos da América do Sul

O analista lembrou que o interesse dos EUA na hidrovia não é novo, já que em 2022 o Governo do país norte-americano havia assinado um acordo muito semelhante ao atual mas com o Governo do Paraguai, prevendo também a participação do Corpo do Exército de Engenheiros.

Em 2021, o mesmo Corpo de Engenheiros concordou com o Equador em colaborar na assistência técnica e “proteção” da usina hidrelétrica Coca Codo Sinclair. Nos três casos, o envolvimento militar americano foi liderado pelo mesmo homem: Adriel McConell, gestor de projecto do Corpo de Engenheiros.

Para Riom, este contexto mostra a importância para Washington de abordar estes recursos-chave na América do Sul, bem como a sua intenção de aprofundar a sua participação o mais rapidamente possível.

“No Paraguai, meses após a assinatura, houve pressão dos EUA para que o país autorizasse a presença de militares norte-americanos em tarefas de controle. “Esta é provavelmente uma questão que aparecerá também na Argentina em pouco tempo”, disse Riom.

O analista considerou que a crise de segurança que atravessa a cidade argentina de Rosário, principal porto do rio Paraná, gera “uma situação favorável” para que os EUA façam este pedido, no âmbito de ações de colaboração com a Argentina na a luta contra o tráfico de drogas.

Riom alertou ainda que a participação dos EUA na gestão poderia até interferir na saída de mercadorias para destinos comerciais sancionados por Washington.

“Com certeza você vai querer ter controle de onde vai e o que entra a mercadoria. Ou seja, controle do comércio exterior, tanto legal quanto ilegal. Para a Argentina, tudo é uma perda de soberania sobre um dos seus recursos estratégicos”, alertou.

Em contrapartida, Riom destacou que países “sem viés ideológico” a favor de Washington, como a Bolívia e o Brasil, poderiam exigir informações da Argentina sobre esse acordo, nos termos do Tratado da Bacia do Prata, assinado em 1969 pela Argentina. Brasil, Paraguai e Uruguai.

Na verdade, lembrou o especialista, o governo argentino de Alberto Fernández (2019-2023) pediu explicações ao Paraguai para a assinatura do acordo que introduziu o Corpo de Engenheiros dos EUA na parte paraguaia da hidrovia, homólogo ao assinado agora pela gestão de Javier Milei.

Para Riom, é necessário que haja uma “política regional” em torno da hidrovia, pois embora o marco regulatório regional não impeça que os países da Bacia do Prata assinem este tipo de acordo, é uma questão suficientemente “sensível ”para a região.

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