sábado, 4 de março de 2023

Charlie Chaplin/Tempos Modernos * Atte Siguaraya / VE

TEMPOS MODERNOS, ADEUS A CHARLOT

(87 anos após sua estréia)


"Chaplin é uma ameaça para as instituições" / Richard Nixon.



 *Leia um pouco sobre o filme de Charlie Chaplin, com seu personagem característico*.


Uma cena de 'Tempos Modernos' é provocativa e se destaca das demais: Charlot procura emprego, caminha pela rua e observa algo cair de um caminhão. É uma bandeira vermelha de perigo, que ele ingenuamente agita no meio da rua para chamar a atenção do caminhoneiro sem noção.


 A sequência é perfeita: em questão de segundos, enquanto ele avança agitando a bandeira, uma multidão de trabalhadores se alinha atrás dele e marcha. Surpreso, Charlot descobre que acaba de se tornar um agitador político, a faísca que acende a rebelião. Longe do olhar ingênuo de seu personagem, Charles Chaplin desnuda, em poucos segundos, a outra face do sistema opressor. E fá-lo da única forma que sabe: através da comédia e com Charlot como espelho do seu tempo.


É por isso que Hollywood olha com desconfiança para aquele pequeno ator de bigodinho bonito e boicota alguns de seus filmes. É por isso que os Estados Unidos não param de engolir seu discurso humanista e se preocupam em assediá-lo. Porque Chaplin os despe, os deixa à revelia e os humilha, ri deles e os ridiculariza, mostrando-os tão absurdos e miseráveis ​​como são.


“Você pode dizer que eu odeio talkies. Eles arruínam a arte mais antiga do mundo: a arte da pantomima. Eles aniquilam a grande beleza do silêncio.” A frase de Chaplin expressa a dificuldade que a mudança impôs ao seu trabalho criativo, e sua decisão de resistir à modernidade com a teimosia de sua rebeldia. Com os novos talkies, a sensibilidade do corpo foi deixada para trás, agora a estrutura narrativa foi baseada no poder da palavra. Chaplin sabia: Charlot não teria lugar naquele mundo hostil e por isso, com a genialidade de 'Tempos Modernos', tinha a brilhante despedida reservada para ele.


Nunca antes na história do cinema um pobre fora protagonista de um filme. Muito menos um vagabundo, um pária com o sempre presente dilema do emprego. A constante preocupação em garantir seu sustento digno leva o protagonista a procurar trabalho. Charlot é um trabalhador desempregado que luta todos os dias para vencer a fome.

No entanto, ele nunca idealiza a pobreza, mostra-a da forma mais crua possível, terrível e comovente. “Não conheço um pobre que anseie pela pobreza ou encontre nela a liberdade”, esclareceu certa vez. Mais tarde, quando Charlot consegue um emprego, ele não consegue lidar com seu gênio e semeia confusão e subverte a ordem, cenário ideal para a implantação de um arsenal de falta de jeito por meio de gags, ação física e surpresa.


Não há traços clássicos de herói no personagem, pelo contrário, sua principal preocupação é driblar os conflitos e enganar a fome com o único recurso de sua habilidade. Esse personagem rebelde, que longe de se intimidar com a autoridade, chuta o traseiro dele, mordendo o nariz ou cutucando os adversários de plantão com alfinetes, escandaliza o espectador burguês, que rejeita -pelo menos em seus primeiros filmes- sua atitude combativa. moral e bons costumes. Daí sua marca perturbadora:

 porque Chaplin não é um deles, porque despoja os donos de quase tudo, e os ridiculariza, os expõe diante de platéias populares que perdem o respeito com o riso, que entendem a artificialidade da distância imposta pelo dinheiro, que tomam pequenas vingança zombando daqueles que os exploram e excluem diariamente. Por isso o cinema de Chaplin é uma ameaça, por aquele flash subversivo que se torna contagiante, porque mostra o capitalismo cru, injusto e desigual.


“O público gosta de ver os poderosos humilhados”, resume Chaplin. Se eu colocasse uma casca de banana no chão e uma empregada pisasse nela, o público ficaria indignado porque teria pena do infeliz. Mas se quem escorrega e cai é um milionário corpulento, o público vai cair na gargalhada de todo tipo pelo prazer que sente ao ver a vaidade humana ridicularizada.


Uma personalidade libertária no contexto de uma sociedade repressiva. Daí seus repetidos problemas com a lei encarnados em seu grande antagonista: o policial. Porque para o empreendedor que vive nas ruas e luta todos os dias para matar a fome, não há presença mais temida do que a do capanga fardado.


Lançado em fevereiro de 1936, 'Tempos Modernos' é, mais uma vez, o registro do mundo contemporâneo aos olhos de Chaplin, e não há documento cultural mais poderoso dos anos que se seguiram à Grande Depressão de 1929 do que aquele filme. A alienação do trabalhador industrial que produz em série, o homem como peça da engrenagem da máquina fordista, o desespero de perder o emprego e ficar fora do sistema, a luta pela subsistência nas ruas, as greves operárias e a selvageria a repressão policial, surgem no filme com a mesma força que o riso diante dos hábeis estratagemas do proletário Charlot, para fazer frente ao doloroso cenário.


Vítima de um sistema que não compreende ou questiona plenamente, que entra em crise justamente pela superprodução que ajuda a criar, é impelido a percorrer as estradas; já que milhões de americanos desempregados realmente viajaram durante esses anos. Nunca antes Charlot havia assumido um papel simbólico de tão alto significado. Em sua figura se condensam simultaneamente a maré humana produtora de bens e a massa dos despossuídos.


"Você é comunista?" foi a pergunta, multiplicada por mil, que Charles Chaplin ouviu ao longo de sua vida. A resposta era quase sempre a mesma: "Não sou, mas não tenho nada contra os comunistas." O que mudou ao longo dos anos, se é que mudou, foi a voz de quem o questionava. Durante os anos da 'caça às bruxas', foi a voz do senador Joseph McCarthy, presidente do Comitê de Atividades Antiamericanas, que respondeu doentiamente em busca da menor pista que lhe permitisse liquidar para sempre a carreira do irreverente comediante.

 Aqueles eram os tempos em que Hollywood estava cheia de 'listas negras', e o sobrenome Chaplin aparecia em cada uma delas. Tempos em que atores, diretores e produtores renomados, como Gary Cooper, Elia Kazán ou Walt Disney, construíram para sempre sua fama de informantes ao serem considerados pelo FBI como "testemunhas amigas" por denunciar colegas suspeitos de simpatizar com as ideias que eles ameaçou destruir o sistema americano. Tempos em que o então senador Richard Nixon sentenciou: "Chaplin é uma ameaça às instituições".


Esta aversão que despertou nos setores dominantes da sociedade americana tem as suas raízes na contemporaneidade dos seus súbditos, na sua visão aguçada das relações sociais, no seu humanismo intransigente e na defesa férrea da sua dignidade. Porque se foi um ator eminente, um mímico incomparável, um músico inspirado, um encenador talentoso, nada disso é importante isoladamente, face à verdadeira dimensão da sua arte, caracterizada por colocar com total lucidez as contradições do seu tempo.


Chaplin veio ao cinema para mudar tudo. Por meio da comédia e do riso, ele expôs as misérias do capitalismo. Certas morais, certos costumes, são satirizados e demolidos, colocando em primeiro plano as desventuras e desejos dos pobres e trabalhadores. Charlot, um personagem cativante e popular, é um deles. Ele zomba dos poderosos e paga o preço por criar e transgredir em um país que o perseguiu como uma ameaça ao 'estilo de vida americano'.


"Ainda não comecei nenhuma revolução, nem pretendo começar uma", comentou Chaplin ironicamente, interrompendo-se diante de seus censores em plena perseguição política.


O dramaturgo Darío F destacou que certa vez ouviu uma velha calabresa resumir em poucas palavras o fascínio da cidade pelos filmes de Chaplin: "Charlot era uma pessoa capaz de nos fazer chorar por coisas das quais normalmente rimos, e de nos fazer rir com coisas que todos os dias nos fazem chorar. Ele era um que falava de nós, porque era um de nós”.


Sua revolução silenciosa havia começado, e eles sabiam disso."

Jorge Monteiro.


Atte Siguaraya, Presidente da FETRATEL

Diretor CBSTCCP

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