segunda-feira, 9 de outubro de 2023

ENTREVISTA SUBCOMANDANTE MARCOS * IGNACIO RAMONET

ENTREVISTA SUBCOMANDANTE MARCOS
IGNACIO RAMONET
(Terça-feira, 27 de fevereiro de 2001)

Faremos política sem o “glamour” da balaclava

Ignacio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique e fundador da ATTAC, entrevista o Subcomandante Marcos.

Tudo começa com uma carta do Subcomandante Marcos que recebo em Paris na qual, ao anunciar a saída dos dirigentes zapatistas para o México, de 25 de fevereiro a 11 de março, me diz: "Desde que você acompanhou de perto os principais acontecimentos do nestes tempos globalizados, a sua visão ampla e o seu profundo conhecimento da máquina neoliberal saberão encontrar o desejo de justiça que alimenta a nossa causa. E ele me convida para acompanhá-lo naquela marcha. Compromissos anteriores inadiáveis ​​para essas mesmas datas impedem-me de aceitar o seu convite. Mas me sinto muito frustrado. A marcha dos zapatistas sobre o México é, como me diz Carlos Monsiváis, “uma ideia brilhante” que deixou perplexa toda a classe política mexicana, que ainda não se recuperou do confronto de 2 de julho quando, após 70 anos no poder, O PRI perdeu as eleições presidenciais. O próprio Fidel Castro, mestre da comunicação política, que nunca tinha falado publicamente sobre os zapatistas, admitiu que, com a ideia da marcha, “Marcos dá ao mundo uma lição sobre o bom uso dos símbolos políticos”. Respondo a Marcos que não posso acompanhar a marcha, mas que gostaria de ir vê-lo em sua base na selva Lacandona para que me explique o objetivo dessa marcha e seus projetos futuros. Marcos aceita. E depois de uma viagem exaustiva e sete horas de trilhas na montanha, finalmente cheguei a La Realidad, a simpática vila no coração da chuvosa selva Lacandona, perto da qual fica a sede clandestina de Marcos. Ele me recebe pontualmente, junto com o Comandante Tacho e o Major Moisés. Ele leu meus livros, e eu, todos os seus escritos (bem como livros sobre ele.
Perguntar. Você acha que foi o zapatismo que, em 2 de julho de 2000, acabou derrotando o PRI?

Responder. Inquestionavelmente, fizemos parte das forças que derrotaram o PRI. Assim como, a nível global, nos vemos como um sintoma, a nível do México houve uma série de resistências contra o PRI, cada uma mais beligerante, e uma delas foi o EZLN. Mas, fundamentalmente, quem derrotou o PRI foi a sociedade desorganizada. Esta sociedade indefinida e desorganizada aproveita uma lacuna – as eleições de 2 de julho de 2000, e opondo-se a uma grande campanha de corrupção lançada pelo Governo de Zedillo e pelo PRI para obter novamente a presidência, decide dizer: “Não”. Resta saber o que exatamente aquela sociedade estava dizendo. A resposta a esta pergunta está aberta. O “não” provavelmente não significou o endosso da direita, nem do PAN, nem da Fox.

1. O país ainda está sob o choque da derrota histórica do PRI. Até que ponto este momento tão particular permite ao EZLN lançar novas iniciativas políticas, como a marcha dos comandantes zapatistas ao México?

O país quer construir, depois da queda do PRI, algo novo. E pensamos que, neste momento, junto com a sociedade, podemos construir um espaço para nós mesmos como povos indígenas que somos. Sem querer hegemonizar este novo projeto para o país, mas também não aceitamos que a história se repita e fiquemos para trás, na fila. Estamos orgulhosos de nos rebelarmos. Não só contra um sistema injusto, mas também contra um sistema que nos atribui o papel de mendigos e que só nos estende a mão para nos dar esmolas. Acreditamos que este é o momento de construir um lugar digno e servir, como povos indígenas que somos, na construção de um Estado nacional mais justo e solidário no México. E nesta tarefa o nosso lugar não precisa ser o último. Não queremos ser mais uma vez a última roda da carroça ou o último vagão do comboio, mas sim uma parte digna dessa geografia da reconstrução. Na globalização de hoje, o mundo está a ser enquadrado e as esquinas estão a ser atribuídas a minorias indisciplinadas. Mas, surpresa!, o mundo é redondo. E uma característica da redondeza é que ela não possui cantos. Queremos que não haja mais cantos para se livrar dos indígenas, das pessoas chatas, para encurralá-los como se encurrala o lixo para que ninguém veja.

2. Sair, pela primeira vez desde 1994, da selva Lacandona de Chiapas e marchar sobre o México representa o fim de um ciclo para o zapatismo. Alguns acham que esta marcha é uma ótima ideia, outros acreditam que você e os outros comandantes correm risco mortal. Como surgiu a decisão de organizar aquela marcha?

A marcha é uma loucura. Mas pensamos que existe outro país, outro México depois do 2 de julho. E não podemos manter a mesma atitude que tínhamos antes. O país está em disputa. Analisámos os resultados eleitorais e estes revelam que a sociedade mexicana está mais politizada, mais bem informada e mais interessada em participar na política. Acreditamos fundamentalmente que toda a sociedade mexicana, tal como a sociedade internacional, está convencida de que a situação actual dos povos indígenas é insustentável e que esta situação deve ser remediada. Consequentemente, é o momento em que se confluem muitas situações que permitem saldar esta dívida que a nação mexicana tem para com os seus povos indígenas. Entender que o México é uma nação formada por povos diferentes, ao contrário do que afirmaram todos os governos federais desde Juárez, a saber, que é uma nação fundamentalmente mestiça. Não. É uma nação formada por povos diferentes.

3. Neste momento, todos parecem apoiar esta marcha. Até o Presidente Fox apelou a “toda a nação” para apoiar a marcha. Como você acha que a sociedade reagirá à passagem da caravana zapatista?

A sociedade responderá. Entenda que os indígenas lutam para ocupar o seu lugar. Não queremos mais ser espectadores ou que alguém resolva nosso problema por nós. Este é o momento. A marcha, além de resolver o problema dos povos indígenas, abre as portas ao EZLN, aos zapatistas, às guerrilhas armadas e encapuzadas, a possibilidade de fazer política sem o glamour ou sem o muro da balaclava e das armas. Para nós, enquanto continuarmos assim e aqui, o trabalho político tem essa limitação. E queremos algo que nos projete, não que nos limite. E é por isso que observamos que nem todos apoiam esta marcha. Vemos a reacção da direita mexicana ou dos grandes sectores financeiros no México à nossa saída. Dizem: «Não vamos saber o que fazer com eles lá fora, fazendo política. O problema não é a balaclava, o problema é que não a queremos lá fora. Que um acordo de paz não seja alcançado. Tudo bem que apareçam na mídia, que dêem suas coletivas de imprensa, que sejam entrevistados, que se formem caravanas de ajuda, mas que não venham ao México para fazer política, porque sua proposta nos atrapalha. Não queremos que os zapatistas façam política lá fora. Não queremos paz. É verdade que é muito caro eliminá-los militarmente, mas podemos continuar a apostar no seu esgotamento político. Não queremos paz. É verdade que é muito caro eliminá-los militarmente, mas podemos continuar a apostar no seu esgotamento político. Não queremos paz. É verdade que é muito caro eliminá-los militarmente, mas podemos continuar a apostar no seu esgotamento político.

4. Sua relação com a violência é única. Você incorpora o antiterrorismo de uma certa maneira. O zapatismo é um movimento armado, mas nunca cometeu um ataque. Nem exige independência ou secessão; Pelo contrário, exige uma melhor integração de Chiapas no coração do Estado mexicano. Que tipo de guerrilha lidera o EZLN?

Embora os povos indígenas sejam os mais esquecidos, o EZLN pegou em armas para exigir democracia, liberdade e justiça para todos os mexicanos, e não apenas para os povos indígenas. Não queremos a independência, queremos fazer parte do México, ser mexicanos indígenas. O EZLN está organizado como um exército e respeita todas as disposições internacionais para ser reconhecido como um exército. Sempre cumprimos as convenções internacionais e as leis da guerra. Declaramos formalmente as hostilidades, temos uniformes, patentes e insígnias reconhecíveis e respeitamos a população civil e as agências neutras. O EZLN possui armas, organização e disciplina militar, mas não pratica terrorismo, nem nunca cometeu ataques. O EZLN luta para que não seja mais necessário estar clandestino e armado para lutar por justiça, democracia e liberdade. É por isso que dizemos que lutamos para desaparecer.

5. Num texto seu o senhor já havia anunciado, anos atrás, sua intenção de marchar em direção ao México, onde o zapatismo, como o conhecemos agora, poderia desaparecer e se tornar um partido normal. Você mantém esse projeto?

Sim. Transformar-nos numa organização política. Estabelecemos uma diferença entre partido e organização. Porque a nossa tarefa política não é tomar o poder. Não é tomar o poder pela força das armas, mas nem por meios eleitorais ou por qualquer outro meio, golpista, etc. Na nossa proposta política, dizemos que o que deve ser feito é subverter a relação de poder, entre outras coisas porque o centro do poder já não está nos Estados nacionais. Não adianta, portanto, conquistar o poder. Um governo pode ser da esquerda, da direita, do centro e, finalmente, não poderá tomar decisões fundamentais. E também não sonhamos em tomar o poder nas grandes organizações financeiras. Trata-se de construir outra relação política, rumo a uma cidadania da política. Finalmente, Quem dá sentido a esta nação somos nós, os cidadãos, e não o Estado. Vamos fazer uma política sem balaclavas, mas com as nossas mesmas ideias.

6. Após a chegada da marcha ao México no domingo, 11 de março, Marcos vai desaparecer?

O que vai mudar quando a paz for assinada é que uma organização político-militar como o EZLN deixará de sê-lo. Esta organização deixará de ter as relações de comando que existem dentro de uma estrutura político-militar. E, fundamentalmente, a figura de Marcos foi construída em torno desse movimento. Quando Marcos fala, ele fala de um movimento, de um coletivo. E é isso que dá força e interesse ao que Marcos diz. Quando este movimento se transformar e passar de exército a força política, não será mais o mesmo. Provavelmente se descobrirá então que a qualidade literária dos subtextos não era tão boa quanto se pensava. Que suas análises críticas ou de ciências sociais não eram tão precisas, etc. No momento em que isso desaparecer, A figura de Marcos e tudo que gira em torno dela será desmistificada. Isso não significa que o Marcos vai parar de lutar, que o Marcos vai se dedicar ao cultivo de hortaliças ou a fazer outra coisa. Mas o ambiente que tornou Marcos, o EZLN, possível será radicalmente modificado.

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