sexta-feira, 29 de julho de 2022

O capital perdeu a viabilidade, a sua governabilidade idem * Dalton Rosado / CE

O capital perdeu a viabilidade, a sua governabilidade idem

“O capitalismo nunca morrerá de morte natural”.
 Walter Benjamim

Quando um modelo de relação social se torna inviável, ou é superado pela ação consciente dos seres humanos ou se mantém indefinidamente com altos custos sociais num processo de destrutibilidade social, ecológica e autodestruição da própria forma. Ambas as opções se dão pela força.

Vivemos, na atualidade, mundo afora, a realidade de colapso do capital em processo acelerado, e esta é a explicação mais evidente para a existência de guerras localizadas nas quais as grandes potências militares e econômicas (ainda que sustentadas por aparelhos) testam a eficácia dos seus ridículos poderios.

Boçalnaro, o ignaro, ainda que esteja no poder político no Brasil, deseja o autogolpe para governar sem os freios do republicanismo burguês para permanecer no poder tal qual outros déspotas mundo afora (seu congênere russo que o diga).

Mas ele tem uma pedra no caminho, como diria Drummond: a insatisfação social gerada pela inflação, pelo desemprego, pela queda média da renda, e a ineficácia do atendimento pelo Estado das demandas sociais básicas. Como o raciocínio popular se dá pelo bolso e pela inexistência de atendimentos sociais básicos, tudo decorre destes fatores mais perceptíveis pela população.

Não nos iludamos: entre perder os anéis para conservar os dedos ou perder a própria mão, que é o que está na pauta do dia, ele e sua turma partirão para a manutenção da relação social capitalista pela força, e a nós nos cabe a resistência desde antes, agora e no futuro.

O poder econômico, somente aceita as regras da democracia burguesa enquanto ela serve aos seus interesses de manutenção dos lucros e privilégios. Caso seja necessário o uso da força para tal intento, ele não hesitará em se aliar à truculência.

É nisso que se equivoca Lula, que acredita numa convivência harmônica entre o capital decadente e as relações de trabalho capitalistas em fim de feira. Não se apercebe que a marolinha está se transformando num tsunami, e seu provável governo (caso não haja um golpe que lhe impeça de ganhar e tomar posse) enfrentará as dificuldades próprias de um mundo em depressão e sem a coragem de promover qualquer ruptura (por isso ele é aceito pela elite política e econômica, que não hesitará em depô-lo, quando necessário).

Lula governará, se assim ocorrer caso se evite constitucionalmente o pretendido autogolpe, num Brasil particularmente depauperado graças à insanidade e incompetência de um sargentão primário (que me perdoem os sargentos, sempre oriundos das classes subalternas) e um programa econômico de governo que oscila contraditoriamente entre o liberalismo clássico e um nacionalismo obsoleto, aliado a uma prática de milicianos da pior escola do Estado do Rio de Janeiro.

Lula, tal como Boçalnaro, o ignaro, é nacionalista; tal como ele, é também estatizante (tal como os militares de 64/85, que criaram inúmeras empresas estatais, e só privatizaram a Panair do Brasil, de saudosa memória); ambos acreditam na eternidade do capitalismo.

São identidades de quem gosta de modo acrítico do poder político burguês, com diferenciações cosméticas de governança.
Um com senso humanista e populista démodée; o outro de olho nas formas truculentas de acessos a este mesmo poder quando perder popularidade construída sobre mentiras e desespero social.

Um com projeto da socialdemocracia falido mundo afora; o outro com olho num militarismo truculento e irracional do qual se origina.

A contraditória fórmula do governo atual já mostrou a que veio. Nacionalista, contraria o liberalismo clássico de Milton Friedman do qual Paulo Guedes é discípulo e que anunciava mais Brasil e menos Brasília, lembram-se?

Esta é a razão pela qual não houve privatização no governo que aí está, e que anuncia a privatização pra inglês ver da Petrobrás no apagar das luzes. Mas Paulo Guedes, obediente à elite econômica nacional, e num oportunismo barato de apego ao cargo, tudo aceita.

Assim, de contradição em contradição, grassa a fome no país que ajuda a alimentar o mundo como segundo maior produtor mundial de grãos;
– vemos voltar a inflação de dois dígitos que consome a parca renda dos que ainda estão empregados;
– e é gravíssimo (para a lógica do capital e para a vida social sob sua égide) o renitente índice de desemprego nacional, confirmando a tese de que se trata de uma questão estrutural no capitalismo cibernético e robotizado.

De quebra, assistimos à volta da covid19 como uma interminável praga dos tempos ditos modernos.

Neste contexto, governar o Estado sob as regras constitucionais preestabelecidas é administrar o caos, e o que é pior, sem os mecanismos monetários dos países dominantes, e que não são facultados aos países da periferia capitalista como o Brasil (emissão de moeda forte, juros altos da dívida pública, e vivendo da exportação de commodities primárias baratas).

Pergunto-me: é papel da esquerda, por mero temor da continuidade de governos de direita que se alternam ciclicamente do poder político (e por insatisfação popular igualmente cíclica) com governos de esquerda que apenas aparentam ser o oposto daqueles, e vivermos politicamente neste pêndulo da ineficácia postergando para as calendas gregas a necessária discussão sobre a essência de uma relação social que se tornou obsoleta?

É papel da esquerda administrar o capitalismo e seu Estado falido, que já não pode prover minimente as demandas sociais básicas, e em nome do abrandamento do mal maior representado pela insensibilidade social conservadora?
A fome num lar de desempregados num país capitalista é desesperadamente a mesma dor qualquer que seja a ideologia e boas ou más intenções do governante que atue sob sua lógica subtrativa e segregacionista!

Algumas questões são impossíveis de serem equacionadas sob o império do capital, e qualquer candidato que se proponha a governar sob tais regramentos, não resolverá nossos problemas.

Elenquemos algumas questões irresolúveis sob a égide do capital:
a) vamos continuar fazendo o pagamento dos juros cada vez maiores de uma dívida pública que consome valores anuais maiores do que o déficit da nossa previdência social?
b) e se não pagarmos os juros, vamos poder enfrentar a retaliação do sistema financeiro mundial de crédito?
c) vamos continuar vendendo os alimentos que produzimos por preços bem inferiores aos manufaturados que importamos? e
d) mesmo tendo mais gado do que gente, vamos continuar sem poder comer carne?
e) como vamos enfrentar o problema da inflação e do desemprego renitente, sem superarmos o própria lógica do trabalho abstrato que se tornou obsoleto em sua maior parte?
f) vamos taxar o lucro dos bancos e das grandes empresas sem que com isto provoquemos uma evasão de capitais em busca de países que deem tratamento mais generoso ao confisco de tais receitas escorchantes?
g) como enfrentar a redução de direitos trabalhistas e dos próprios salários num contexto de concorrência mundial de mercado regido pela lei da oferta e da procura, na qual quem produz mais, melhor, e a preços menores, ganha a guerra (como é o caso da China e seus salários de fome)?
h) como enfrentar o déficit previdenciário crescente com o desemprego renitente e os crescentes números de trabalhos informais, sem registro, que são cada vez mais frequentes e representam uma saída paliativa ineficaz para um problema estrutural?
i) como retomar a pretendida (por todos os partidos da institucionalidade) retomada do desenvolvimento econômico nacional, se é o próprio capitalismo mundial que está depressivo e sem volta?
j) como conciliar interesses divergentes entre países que disputam a prevalência de seus interesses econômicos de mercado, mesmo no interior dos blocos continentais que se formam para fazer face à disputa por hegemonias continentais mundo afora?
l) poderemos evitar a emissão de CO² na atmosfera sob a égide do capital que contraria a possibilidade de convivência harmoniosa e ecologicamente sustentável entre os seres humanos?
m) saberemos superar os mesquinhos interesses corporativos e elitistas, e caminharmos num processo de construção coletiva do bem estar de todos e sem as competições fratricidas?

​Muitas outras questões são irresolúveis sob o capital decadente e sem volta, e qualquer governante que assuma o comando político administrativo do país, não terá instrumentos eficazes de combate às questões que se configuram como estruturais e para as quais as soluções requerem a superação dos próprios critérios capitalistas de suas categorias que são formatadores de tal situação.

​A pergunta que não quer calar é a seguinte: saberemos superar o modelo atual e usarmos todos os benefícios da tecnologia a nosso favor, e evitarmos o colapso econômico e ecológico que se prenuncia?

​Teremos apenas mais uma eleição incapaz de promover as necessárias e urgentes discussões, ou apenas veremos mais falaciosas promessas de governos incapazes de consecuções práticas e viáveis dentro do modelo ao qual estamos enquadrados?
Será a ditadura conservadora capaz de alterar tal conjuntura?

As respostas a estas questões, sem tergiversações, estão na pauta do dia!

SOBRE O AUTOR

Dalton Rosado é advogado e escritor. Participou da criação do Partido dos Trabalhadores em Fortaleza (1981), foi co-fundador do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos – CDPDH – da Arquidiocese de Fortaleza, que tinha como Arcebispo o Cardeal Aloísio Lorscheider, em 1980.
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