quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

VIOLÊNCIA DO OPRESSOR X VIOLÊNCIA DO OPRIMIDO * Adriano Zukhov - RS

VIOLÊNCIA DO OPRESSOR X VIOLÊNCIA DO OPRIMIDO
Seria o Hamas  tão brutal quanto Israel? 

Para encobrir o massacre, traçam-se paralelos patifes. Comparar a violência do escravo, em luta ou desespero, à do colonizador que o submete é propor o silêncio resignado dos oprimidos. Reflexões no Dia de Solidariedade ao Povo Palestino

Por qual padrão de moralidade a violência usada por um escravo para quebrar suas correntes pode ser considerada igual à violência de um senhor de escravos?

Walter Rodney Após os ataques do Hamas a Israel, em 7 de outubro, que causaram mais de 1.200 mortes, proliferaram as injunções na grande mídia e entre políticos e especialistas ocidentais, impondo que qualquer um que desejasse expressar uma opinião sobre os acontecimentos e os crimes de guerra israelenses e o genocídio que ocorreram em seguida em Gaza, primeiro deveria denunciar o Hamas antes de expressar qualquer outra opinião. A não obediência explícita a isso ou qualquer tentativa de colocar os acontecimentos no seu contexto histórico ou de enfatizar as causas profundas do conflito foram interpretadas como tolerância às ações do Hamas (ou seja, a pessoa era simpático ao Hamas) e confundidas com antissemitismo. Foi como se a história do assim chamado conflito palestino -israelense” tivesse começado em 7 de outubro e não com a Declaração Balfour de 1917, em que o governo colonial britânico anunciava o seu apoio ao estabelecimento de um “lar nacional para o povo judeu” na Palestina. Esse anúncio culminou no que os palestinos e os árabes chamam de Nakba (a Catástrofe) em 1948, concomitante com a fundação do Estado de Israel e ocorrido por meio da limpeza étnica generalizada, dos massacres e da expulsão de centenas de milhares de palestinos. Seguiram-se mais guerras, mais violência, mais matanças e mais ocupação de novos territórios. Isto levou a ainda mais desabrigados, a mais colônias ilegais e a mais bombardeios, que custaram a vida a centenas de milhares de palestinianos e forçaram outros milhões a viver como refugiados.

 Não vou me alongar nesta história, pois muitas fontes maravilhosas já o fizeram de maneira brilhante.

 Em vez disso, o meu objetivo aqui é traçar alguns paralelos com a história da luta anticolonial 
para mostrar a vacuidade, a miopia e a injustiça de denunciar a violência dos oprimidos/colonizados e dos opressores/colonizadores em termos iguais. Os dilemas morais, os debates sobre a violência e as divergências sobre como as pessoas oprimidas ou colonizadas devem resistir e o que podem ou não fazer não são novos. Não é coincidência que as classes populares e trabalhadoras conscientes apoiam fortemente a causa palestina, uma vez que vários países experimentaram/experimentam o colonialismo violento e racista. Para entender o porquê, vale a pena visitar os escritos e análises de Frantz Fanon sobre o que ele chamou de “violência revolucionária” em sua obra-prima Os condenados da terra, que escreveu com base nas suas experiências na Argélia e na África Ocidental na década de 1950 e início da década de 1960. Os condenados da terra é um texto canônico sobre a luta anticolonial e serviu como uma espécie de bíblia para as lutas de libertação da Argélia a Guiné-Bissau, da África do Sul à Palestina e ao movimento de libertação negra nos EUA.

Fanon descreveu minuciosamente os mecanismos de violência implementados pelo colonialismo para subjugar as pessoas oprimidas. “O colonialismo não é uma máquina pensante, nem um corpo dotado de faculdades de raciocínio. É a violência no seu estado natural e só cederá quando confrontada com uma violência maior”, escreveu ele. Segundo Fanon, o mundo colonial é um mundo maniqueísta que, levado à sua conclusão lógica, “desumaniza o nativo ou, para falar francamente, transforma-o num animal”. Para ele, “A libertação nacional, o renascimento nacional, a restauração da nacionalidade ao povo, a comunidade: quaisquer que sejam os títulos utilizados ou as novas fórmulas introduzidas, a descolonização é sempre um fenômeno violento”.

A luta pela independência de muitas nações contra os colonialistas franceses , ingleses e americanos foi uma das revoluções anti-imperialistas mais inspiradoras do século XX. Parte da onda de descolonização que começou após a Segunda Guerra Mundial (na Índia, China, Cuba, Vietnã e muitos países africanos), a Conferência de Bandung declarou estes movimentos como parte do “despertar do Sul” – um Sul que tem perspectivas.

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